Uma técnica inédita de manipulação do grafeno, desenvolvida a partir de uma colaboração internacional com participação de pesquisadores do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC), representa um avanço com implicações para memórias não voláteis e lógica baseada em prótons. Na prática, isso significa a possibilidade de computadores menores, mais potentes e com menor consumo de energia, graças ao uso de dispositivos bidimensionais capazes de combinar funções lógicas e de memória na mesma área física.
A pesquisa foi conduzida majoritariamente no National Graphene Institute, na Universidade de Manchester, na Inglaterra, onde estão localizados os laboratórios experimentais de ponta responsáveis pela fabricação e teste dos dispositivos com a nova técnica. Estiveram envolvidos cientistas do Reino Unido, Bélgica e Emirados Árabes Unidos e dois pesquisadores da UFC: os professores Raimundo Nogueira da Costa Filho e François Peeters, ambos vinculados ao Departamento de Física.
Utilizando um inovador design de “porta dupla”, os cientistas conseguiram, pela primeira vez, separar e controlar de forma seletiva dois processos que ocorrem concomitantemente no grafeno: o transporte de prótons e a hidrogenação. Deste modo, torna-se possível acelerar significativamente o transporte de prótons sem a incorporação de átomos de hidrogênio. Sem a “porta dupla”, normalmente o grafeno se transforma de forma permanente em um semicondutor ou um isolante, a depender da quantidade de hidrogênio adicionada.

A “porta dupla” é uma técnica em que se aplica voltagem em dois lados do grafeno, permitindo o controle independente de duas grandezas: a densidade de carga elétrica (quantidade de elétrons ou lacunas) e o campo elétrico que atravessa o material. “Esse controle foi essencial para descobrir como direcionar o transporte de prótons sem causar hidrogenação do grafeno, algo que não era possível em experimentos com apenas uma porta”, explica Raimundo Nogueira da Costa Filho.
Conforme demonstrado pela pesquisa, o controle dos processos é robusto e preciso o suficiente para aplicações computacionais, permitindo ao grafeno desempenhar funções lógicas e de memória. Essa combinação na mesma área física do dispositivo eliminaria a necessidade de circuitos periféricos entre os componentes lógicos e de memória em matrizes prospectivas desses dispositivos, tornando-os mais compactos e energeticamente eficientes.
Outras estratégias para acelerar o transporte de prótons já haviam sido testadas em trabalhos anteriores, como a introdução intencional de vacâncias, para criar espaços vazios na estrutura do grafeno, a incorporação de metais catalíticos, que aceleram reações químicas sem serem consumidos no processo, ou ainda a adição ou modificação de grupos funcionais em sua estrutura. Entretanto, nenhuma dessas técnicas foi bem sucedida, pelo comprometimento de outras propriedades do material, como a seletividade de íons ou a estabilidade mecânica.
O maior desafio do experimento, segundo o professor Raimundo Costa Filho, foi construir um dispositivo que garantisse o controle independente com alta precisão. Em sistemas tradicionais, mudar a voltagem afeta ao mesmo tempo o campo elétrico e a densidade de carga. “Criar um dispositivo estável, com eletrodos especiais e isolamento perfeito, demandou técnicas avançadas e grande controle experimental”, conta. O artigo “Control of proton transport and hydrogenation in double-gated graphene”, publicado pela revista Nature, descreve a pesquisa.
Além da alta seletividade, o uso da técnica de “porta dupla” em grafeno tem como benefícios baixo consumo de energia, miniaturização, reversibilidade e reutilização, com potencial para geração de energia limpa. As possíveis aplicações incluem, por exemplo, memórias eletrônicas de nova geração, lógicas baseadas em prótons (conhecidas como portas XOR), sensores de hidrogênio e membranas para separação isotópica com impacto em energia limpa.
Embora o grafeno seja impermeável à maioria das partículas, ele permite a passagem de prótons. Compreender e controlar esse processo é essencial para o desenvolvimento de tecnologias como membranas seletivas, sensores químicos e memórias eletrônicas. Segundo Costa Filho, o dispositivo apresentou comportamento de memória não volátil, com estados de alta e baixa condutividade bem definidos e estáveis, abrindo caminho para ser uma alternativa ou complemento às memórias atuais — desde soluções não voláteis, como SSDs, até arquiteturas que hoje utilizam RAM.

“A contribuição dos professores da UFC foi central na parte teórica do trabalho, em especial no desenvolvimento dos modelos analíticos e dos cálculos computacionais baseados na Teoria do Funcional da Densidade (DFT), que ajudaram a explicar os mecanismos físicos por trás do transporte de prótons e do processo de hidrogenação no grafeno”, conta o professor Raimundo Nogueira da Costa Filho, que é também presidente da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap).
A pesquisa segue em andamento. Os próximos passos incluem integrar os dispositivos em circuitos reais, testar outros materiais, aprimorar o tempo de comutação, que é o intervalo necessário para a mudança de estado, e estudar aplicações em computação bioinspirada. Ainda em fase experimental, mas com grande potencial, conforme o cientista, essas tecnologias baseadas em grafeno e materiais 2D já despertam interesse de empresas de semicondutores e energia.
APOIO
A pesquisa contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aos pesquisadores da UFC. A Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) também ofereceu suporte, e a UFC viabilizou a participação do professor belga François Peeters por meio de uma vaga de professor visitante. O docente destaca que “essa colaboração exemplifica o impacto global da ciência produzida na UFC e o papel fundamental das universidades brasileiras em pesquisas de fronteira na física dos materiais”.
Fonte: Professor Raimundo Nogueira da Costa Filho, do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará – e-mail: raimundo.costafilho@gmail.com
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