Baixo componente de ascendência asiática ou africana pode influenciar risco de desenvolvimento de câncer colorretal. Essa foi a conclusão do maior estudo já realizado no Brasil para a compreensão dos fatores que influenciam o surgimento da doença. A pesquisa foi destaque na edição de junho do JCO Global Oncology, periódico da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, e analisou cerca de dois mil voluntários de diferentes estados brasileiros, entre os anos de 2001 a 2020.
Assinam como autores principais os cientistas Ana Carolina de Carvalho e Ana Carolina Laus, do Centro de Pesquisa em Oncologia Molecular (CPOM) do Hospital do Câncer de Barretos, em São Paulo, Rui Manuel Reis, diretor do CPOM e professor da Universidade do Minho, em Portugal, e Howard Ribeiro Lopes Junior, servidor técnico-administrativo do Departamento de Morfologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.
Ao contrário da literatura médica atual da área, que leva em consideração perfis genéticos com menor combinação étnica, o trabalho se destaca por tomar como elemento de análise a ancestralidade de uma população amplamente miscigenada, como é o caso da brasileira.
“Como a população brasileira é uma das mais miscigenadas do mundo, era fundamental investigar essa relação. Nossa análise de ancestralidade genética revelou que o risco de câncer colorretal está, de fato, ligado à origem étnica. Esse achado é crucial, pois a maioria dos estudos genéticos se concentra em populações de origem puramente europeia ou asiática, e nossos resultados mostram que o perfil de risco genético na nossa população tem particularidades que precisam ser consideradas”, comenta o pesquisador Howard Lopes.
ANÁLISE
Para o estudo foi considerada uma amostra de 906 pacientes com diagnóstico de câncer colorretal e outras 906 pessoas que foram consideradas como grupo de controle, ou seja, não possuíam a enfermidade. A fim de que a comparação fosse a mais precisa possível, os grupos foram pareados por gênero e idade, e outros critérios importantes elencados pelos pesquisadores foram a exclusão de pessoas que tinham um histórico familiar de câncer colorretal hereditário, e a análise de voluntários de diferentes estados do Brasil. “Isso garante que nossos achados refletem a diversidade genética e geográfica do nosso país, e não apenas de uma única região”, salienta o estudioso.

De cada um dos voluntários foi coletado aproximadamente 5 ml de sangue, posteriormente processados e armazenados no Biobanco do Hospital de Câncer de Barretos, que contém amostras e dados de pacientes de todo o país. A partir desse material, os estudiosos investigaram variações no DNA chamadas de polimorfismos de nucleotídeo único ou SNPs. A ideia era verificar no material genético dos voluntários a existência de 45 polimorfismos associados ao desenvolvimento de câncer colorretal.
“Em nossa pesquisa, descobrimos que pequenas variações no nosso código genético (DNA), que funcionam como trocas de letras em um texto, podem aumentar ou diminuir o risco de uma pessoa desenvolver câncer colorretal. Validamos, especificamente para a população brasileira, a importância de quatro dessas variações genéticas, sendo que duas foram associadas a uma chance significativamente maior de desenvolver a doença e outras duas oferecem um efeito protetor”, explica Howard Lopes.
A equipe observou que indivíduos com uma menor proporção de ancestralidade genética asiática tinham risco 48% maior de desenvolver câncer colorretal. Já aqueles que possuíam menor contribuição africana apresentaram 22% mais chances de serem acometidos pela enfermidade. Em contrapartida, foi detectado um efeito protetor associado à ancestralidade ameríndia intermediária.
POLÍTICAS PÚBLICAS
Além da detecção dos fatores de risco, um dos propósitos do estudo é fomentar políticas públicas de proteção ao câncer colorretal mais direcionadas, como a prescrição de exames de colonoscopia de forma mais precoce ou frequente aos públicos suscetíveis.
“Pela primeira vez validamos fatores de risco genético para o câncer colorretal em uma amostra tão grande e representativa da nossa população miscigenada. Até agora, dependíamos muito de dados de populações europeias, que não refletem nossa realidade. Esses achados podem e devem ser associados a políticas de prevenção mais eficazes. Na prática, isso significa que podemos usar esses marcadores genéticos para criar ferramentas, como os ‘escores de risco poligênico’, que nos ajudam a identificar pessoas com maior predisposição para desenvolver a doença, ou podemos personalizar a prevenção”, conclui o pesquisador da UFC.

O trabalho contou com a colaboração de pesquisadores do Hospital de Câncer de Barretos, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e da Universidade do Minho, em Portugal. O texto completo está disponível para acesso aberto no periódico JCO Global Oncology.
Fonte: Howard Ribeiro Lopes Junior, servidor-técnico administrativo do Departamento de Morfologia da UFC – e-mail: howard@ufc.br
USE NOSSAS MATÉRIAS
A reprodução dos textos da Agência UFC é permitida, com atribuição. Caso o texto seja reproduzido na íntegra, ele deve ser assinado com o nome do repórter seguido do identificador “da Agência UFC”. Caso o texto passe por cortes ou ajustes no processo de edição, deve-se publicar apenas “da Agência UFC”, ou forma semelhante, de acordo com os padrões adotados pelo veículo.
Saiba mais sobre como usar as matérias da Agência UFC