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Pesquisadores da UFC estudam papel de enzima da imortalidade celular na leucemia aguda infantil

O estudo constatou a presença da enzima telomerase em pacientes infantis, confirmando importância para o avanço da doença

Novo estudo da Universidade Federal do Ceará traz contribuições importantes para o entendimento de uma doença especialmente perigosa para crianças: a leucemia linfoblástica aguda (LLA), que atinge o sangue e a medula óssea. Trata-se do tipo de câncer mais comum na primeira infância, com prognóstico desfavorável para os pacientes em muitos casos.

A pesquisa, publicada no periódico Genes, baseia-se na avaliação da chamada telomerase (hTERT), enzima já considerada ponto-chave nos estudos sobre a LLA. Ela funciona como um biomarcador, ou seja, uma ferramenta para indicar a presença e a gravidade da doença, sendo alvo de diversos estudos da ciência médica.

Essa enzima normalmente tem pouca atividade no organismo, cumprindo algumas funções em determinados momentos da vida humana ou em situações específicas, como na produção do esperma, por conta de sua característica de ajudar na divisão e reprodução celular. Outra ocasião em que ela se manifesta de forma proeminente é na ocorrência da leucemia, como constata a pesquisa da UFC.

O estudo é resultado de dissertação da pesquisadora Beatriz Maria Dias Nogueira, no âmbito do Programa de Mestrado Profissional em Farmacologia Clínica da UFC, sob orientação da Profª Caroline Nunes.

Pesquisadora Beatriz Maria Dias Nogueira utilizando equipamento em bancada no laboratório
A pesquisadora Beatriz Maria Dias Nogueira, cuja dissertação de mestrado originou o estudo (Foto: Ribamar Neto/UFC)

Realizada por meio do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), a investigação promoveu a análise de amostras de sangue de 244 pacientes pediátricos diagnosticados com LLA, internados no Hospital Oncológico Infantil Octávio Lobo, em Belém, no Pará, e com média de idade de 6 anos.

Como resultado, os pesquisadores apontaram que a hTERT estava expressa em níveis alterados em todas as amostras, independentemente de qualquer característica específica dos pacientes, como subtipo genético da doença, idade, sexo ou características clínicas particulares.

Na prática, isso significa que a telomerase estava cumprindo papel relevante no desenvolvimento de todos os casos de LLA, doença que costuma ter uma variação genética considerável, com alguns subtipos mais graves que outros, e que por isso exige diferentes protocolos e respostas terapêuticas para cada paciente. Mesmo com essas variações, a hTERT se apresentou como biomarcador essencial.

“Nossos dados apresentam a telomerase como um biomarcador molecular eficiente e como um alvo terapêutico promissor na doença, podendo proporcionar intervenções clínicas mais eficientes e aumentando as chances de cura e remissão da doença nesses pacientes”, detalha a Profª Caroline Nunes.

Outro fator relevante é que a pesquisa ajuda na compreensão dos diferentes prognósticos em cada paciente, ou seja, na classificação da gravidade da doença e da taxa de sobrevivência, também de acordo com a proeminência da telomerase: quanto mais ela se mostrava presente, pior o prognóstico e menor a taxa de sobrevivência.

“Os resultados também possibilitaram a definição de uma classificação de risco prognóstico dos pacientes através da medição de diferentes níveis de expressão da telomerase, correlacionando esses dados com o desfecho clínico de cada subgrupo desses pacientes”, explica a pesquisadora.

IMORTALIDADE CELULAR

A leucemia linfoblástica aguda se desenvolve como uma desordem causada pela mutação de um linfócito, célula do sistema hematopoiético (responsável pela produção das células sanguíneas) que costuma defender o organismo. Por conta dessa mutação, gerada por algum erro no DNA, ocorre a transformação e a proliferação anormal de outras células imaturas e defeituosas.

Durante esse processo, à medida que os problemas avançam, realizam-se as translocações e rearranjos cromossômicos, gerando um fenótipo característico dos cânceres. No meio de tudo isso, a hTERT passa a agir, garantindo a replicação das células doentes.

Em organismos saudáveis, a replicação celular transcorre da seguinte forma: a cada nova divisão das células, elas perdem um pouco de sua “porção final” (é o chamado telômero), até que ficam incapazes de se reproduzir e morrem. Algo como uma criança fazendo bolinhas com massa de modelar, até não ter mais material para novas bolinhas quando a massa acaba.

No caso de um organismo com LLA, a telomerase atua para garantir que as células continuem se dividindo, ajudando os telômeros a cumprir sua função, ou seja, com ela, a divisão ocorre sem que se perca aquela “porção final” (ela fornece mais massa de modelar, na analogia), garantido uma imortalidade para as células doentes.

“A telomerase age evitando que a célula entre em senescência [envelhecimento], pois ela mantém a estrutura molecular dos telômeros. Portanto, as células podem se dividir por longas rodadas de divisão celular, o que chamamos na biologia de ‘imortalidade replicativa’”, esclarece a Profª Caroline.

ALVO TERAPÊUTICO

Dada a importância da telomerase para os caminhos de desenvolvimento do câncer, constatada por sua alta expressão nos pacientes, ela acaba se tornando objeto de estudo da farmacologia com o objetivo de criação de remédios que possam atingi-la, trabalhando, por exemplo, com a ideia de inibição (diminuição de sua expressão).

Como resultado desse foco dado pela ciência, os estudos relacionados à inibição farmacológica da telomerase já têm se mostrado promissores, com frutos positivos.

“Podemos citar o Imetelstat, medicamento que tem como ação o bloqueio direto da telomerase e que já se encontra em fase 3 de ensaios clínicos em pacientes com diversos tipos tumorais, com resultados promissores contra alguns cânceres importantes”, exemplifica a Profª Caroline.

Esse é um exemplo do que conhecemos hoje como terapia alvo-dirigida, ou seja, que enfoca determinado biomarcador para garantir maior eficiência no tratamento. Por isso a busca e o estudo de biomarcadores, como a hTERT, são tão importantes: “Para aumentar a segurança farmacológica, a remissão da doença e a qualidade de vida dos pacientes”.

“As terapias alvo-dirigidas contra uma possível proteína ou enzima particular de um tipo tumoral têm ganhado muita força nos últimos anos, porque são extremamente modernas e proporcionam uma melhor adesão terapêutica, efeitos adversos mais controlados e chance de cura maior”, diz a pesquisadora.

A partir das informações obtidas com a pesquisa da UFC, a expectativa é que os estudos avancem para testagens farmacológicas, utilizando compostos com atividade inibidora ou bloqueadora da hTERT, em modelos in vitro de LLA. A ideia é confirmar que o bloqueio da telomerase pode frear o desenvolvimento da leucemia e evitar a proliferação celular.

A pesquisa foi desenvolvida no Laboratório de Farmacogenética da UFC, localizado no NPDM (Foto: Ribamar Neto/UFC)

SAIBA MAIS

Essa é a primeira vez na América Latina que uma investigação relaciona todas as variáveis de risco clínico à expressão de hTERT (como subtipo genético da doença, idade, sexo e outras características), garantindo pioneirismo ao estudo do NPDM, realizado no Laboratório de Farmacogenética.

A pesquisa foi feita com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), contando com a participação ainda da Universidade Federal do Pará (UFPA), da Universidade de Campinas (UNICAMP) e do Hospital Oncológico Infantil Octávio Lobo.

Pela UFC, participaram as professoras Caroline Nunes, Raquel Montenegro, Maria Elisabete Moraes e o Prof. Odorico de Moraes, além dos pesquisadores Emerson Lucena da Silva e Beatriz Maria Dias Nogueira, cuja dissertação de mestrado originou a pesquisa. Também compõem o grupo o Prof. André Salim Khayat (UFPA), Jersey Heitor Maués (UNICAMP), Laudreísa da Costa Pantoja (Hospital Octávio Lobo) e o Prof. Fernando Mello Júnior (Hospital Ophir Loyola, no Pará).

Leia o artigo completo (em inglês) publicado no periódico Genes.

Fonte: Profª Caroline Nunes, do Laboratório de Farmacogenética do NPDM – e-mail: carolfam@gmail.com

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Kevin Alencar 3 de novembro de 2021

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