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Pesquisadoras usam cera de carnaúba na criação de nanopartículas voltadas ao tratamento do câncer

Invento, que potencializa medicação e auxilia em diagnósticos, foi reconhecido pelo INPI e garantiu mais uma carta patente para a UFC, a 20ª da Universidade

Se olharmos com atenção para o brasão da Universidade Federal do Ceará, veremos três folhas de carnaúba. De nome científico Copernicia cerifera, essa árvore da família das palmeiras também está na bandeira do Ceará, tamanha sua importância para o ecossistema e para a economia do Estado, do qual é considerada árvore-símbolo. Pelo fato de ser inteiramente aproveitada em diversas atividades, ela é conhecida como “árvore da vida”. Agora, esse epíteto poderá ganhar ainda mais sentido. Isso porque uma equipe liderada por duas pesquisadoras da UFC utilizou a cera de carnaúba para criar nanopartículas que podem ser usadas no tratamento do câncer.

O invento, intitulado “Nanopartículas lipídicas sólidas magnéticas a base de cera de carnaúba com potencial aplicação em hipertermia magnética e imagem por ressonância magnética”, foi reconhecido, por meio de carta patente, pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Com isso, a UFC já soma 20 invenções sob sua titularidade, com um intervalo de apenas dois anos entre a primeira, conquistada em setembro de 2019, e esta, confirmada em outubro deste ano.

Assinam a patente a Profª Nágila Ricardo, do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica da UFC, e a pesquisadora Carolina de Lima e Moura, que produziu sua tese de doutorado sobre o tema, defendida em 2017 no Programa de Pós-Graduação em Química da UFC, sob orientação da Profª Nágila e coorientação do Prof. Manuel Bañobre-Lopez, do International Iberian Nanotechnology Laboratory (INL), de Portugal, que também colaborou para o invento.

Além deles, também são responsáveis pela invenção os professores da UFC Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro, Pierre Basílico Almeida Fechine, Otília Deusdênia Loiola Pessoa e Tamara Gonçalves Araújo; a servidora técnico-administrativa do Departamento de Ciências do Solo da UFC e aluna do doutorado em Química Deyse de Sousa Maia; a também aluna do doutorado em Química Aiêrta Cristina Carrá da Silva; o pesquisador do INL Manuel Bañobre-López; o professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) Raimundo Rafael Almeida. e o professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) Francisco Célio Feitosa de França.

CONTEXTO

Alguns medicamentos são mais eficazes quando liberados diretamente sobre áreas específicas do corpo humano. Para auxiliar nesse processo, são utilizadas estruturas em escala nanométrica que envolvem e protegem a molécula do fármaco, melhorando a solubilidade do medicamento e permitindo maior controle de sua liberação no organismo.

Infográfico mostra o processo de geração do nanocompósito. A primeira imagem é de aparelho fazendo a emulsificação. Acima dele, setas indicam as etapas das mudanças nos compostos químicos até chegar ao nanocompósito magnético teranóstico. Uma terceira imagem, ligada às demais por uma seta, mostra cinco tubos de ensaio com soluções de diferentes cores. A quarta imagem traz detalhes do quarto tubo, com reproduções da estrutura do Fe3O4.
O nanocompósito desenvolvido pode atuar tanto na liberação de fármacos quanto no diagnóstico de doenças (Imagem: Reprodução/Carolina Moura)

Entre essas estruturas estão as nanopartículas lipídicas sólidas (NLS), que atuam como carreadores (nanopartículas que servem como carregadores de medicamentos ou de moléculas ativas). Para conferir ainda mais potencial às NLS, são adicionados elementos magnéticos, como óxido de ferro. Têm-se então as nanopartículas lipídicas sólidas magnéticas (NLSM) e, dessa forma, é possível direcionar o medicamento ao local desejado, através da atração gerada por um campo magnético.

“O propósito é alterar a biodistribuição da medicação para melhorar sua eficácia. Literalmente, a medicação seria puxada para o local de interesse em vez de se espalhar igualmente por todo o corpo, o que seria de extrema importância para tratamentos onde a medicação causa efeitos colaterais quando presente em locais indesejados no organismo”, explica a Profª Nágila Ricardo.

Na pesquisa em questão, a cera de carnaúba, que é um composto lipídico, constitui a matriz estrutural de todo o sistema desenvolvido. Sua aplicação se deve ao fato de que a cera não se dissolve tão facilmente no organismo, o que proporciona uma liberação mais controlada da medicação.

O elemento magnético acrescido foi a magnetita, formada por átomos de ferro e de oxigênio e considerada a substância magnética mais antiga conhecida pelos seres humanos. A composição conta ainda com derivados do líquido da casca da castanha de caju (LCC), responsáveis por conferir maior estabilidade ao composto.

Até então, essas matérias-primas não haviam sido associadas com vistas ao desenvolvimento de produto nanotecnológico, o que confere caráter de ineditismo à pesquisa. A patente concedida compreende a composição, o processo de preparo e aplicação das nanopartículas.

DIFERENCIAL

De acordo com a Profª Nágila Ricardo, o maior diferencial do invento é que a cera funciona, ao mesmo tempo, de quatro formas diferentes. Primeiro, ela atua como uma cápsula protetora da medicação administrada aos pacientes. Segundo, tem capacidade de direcionar a medicação para o local de interesse do tratamento, através de um campo magnético. Terceiro, é capaz de gerar calor, também através de campo magnético. Por último, a cera também pode auxiliar na obtenção de diagnósticos por imagem.

A capacidade de geração de calor refere-se à hipertermia magnética (HM). É por meio dessa técnica ‒ usada para aumentar a eficácia de terapias tradicionais no tratamento do câncer, como radioterapia e quimioterapia ‒ que ocorre a chamada apoptose (morte programada) de células tumorais, devido ao calor irradiado. Trata-se de uma consequência direta das propriedades de aquecimento das nanopartículas sob aplicação de um campo magnético alternado. Dessa forma, é possível induzir a regressão de tumores cancerígenos.

No primeiro plano da imagem, um aparelho de ressonância magnética, com design moderno, de curvas arredondadas. Ao lado, uma pessoa deitada em uma maca, enrolada com cobertor quadriculado, prestes a entrar no aparelho. A pessoa está usando uma touca na cabeça e protetores de ouvido. Ao fundo, cenário minimalista: parede branca, pequeno móvel do lado direito com alguns objetos não identificados, todos brancos. No teto, uma claraboia de vidro, permite antever o céu azul e algumas manchas rosas, que sugerem ser uma árvore
Quanto ao auxílio no diagnóstico, a contribuição das nanopartículas criadas está associada à obtenção de imagem por ressonância magnética (Foto: Mauricio Pinheiro Brito / Wikimedia Commons – CC BY-SA 4.0)

Quanto ao auxílio em diagnósticos, a contribuição dessas nanopartículas está associada à obtenção de imagem por ressonância magnética (IRM). “As nanopartículas de óxido de ferro têm sido utilizadas como agentes de contraste em IRM, para diagnosticar tumores e doenças cardiovasculares. Isso se deve principalmente à sua baixa toxicidade em seres humanos e à possibilidade de se controlar sua magnetização”, aponta Carolina Moura, uma das inventoras.

POTENCIAL

A cera de carnaúba é produzida a partir do pó extraído das folhas da planta. Apenas na região Nordeste do Brasil essa produção é economicamente viável para exploração comercial, devido a condições favoráveis para seu desenvolvimento no bioma caatinga. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Ceará é o maior produtor nacional da cera (respondendo por quase 70% do total produzido) e o segundo maior produtor do pó originário da planta (com 40% da produção), atrás apenas do Piauí (que tem 55%). Além de ser utilizada na nanomedicina, a cera é empregada também em indústrias como as de cosméticos, eletrônicos e alimentos, bem como em produtos para polimento de veículos, couro, pisos, vidros, entre outros.

Nesse contexto, a aplicação da cera na síntese de nanopartículas é vista com grande potencial pelas responsáveis pelo invento. “A exploração dessa palmeira representa uma atividade economicamente viável, pois não é nociva ao meio ambiente. A utilização da cera de carnaúba na produção de nanopartículas só agrega ainda mais valor a essa matéria-prima”, salienta Carolina Moura.

Estão em curso tratativas iniciais com vistas ao licenciamento da invenção que resultou na patente. Por meio do licenciamento, a titular da patente ‒ no caso, a Universidade ‒ concede autorização a uma ou mais empresas para fabricação e comercialização do produto patenteado. As negociações são conduzidas por intermédio da Coordenadoria de Inovação Tecnológica (UFC Inova).

Fontes: Profª Nágila Ricardo, do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica ‒ e-mail: naricard@ufc.br; Carolina Moura, doutora em Química pela UFC ‒ e-mail: carol.lmoura@yahoo.com.br

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Marcos Robério Santo 7 de dezembro de 2021

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