Essencial não apenas para o trato digestivo, mas também para a produção de vitaminas e proteção contra o crescimento de agentes patogênicos (que podem causar doenças), a microbiota (ou flora) intestinal pode dizer muito sobre nosso estado de saúde. É o que conclui pesquisa desenvolvida pela Universidade Federal do Ceará em parceria com instituições da América Latina, África, Ásia e Estados Unidos e publicada em julho deste ano na revista Science, uma das mais importantes do mundo.
O estudo, realizado no âmbito do Núcleo de Biomedicina (NUBIMED) da UFC, analisou, em amostras fecais, as características da microbiota intestinal de cerca de 3 mil crianças, saudáveis e desnutridas, com até 60 meses de idade, em países de diferentes regiões geográficas, como Brasil, Peru, África do Sul, Tanzânia, Bangladesh, Índia, Paquistão e Nepal.
Os pesquisadores identificaram que microbiotas saudáveis possuíam em comum um grupo de 15 bactérias (não maléficas), que serviram para a criação de um grupo-controle, ou seja, se crianças desnutridas desenvolvessem esse grupo de bactérias, isso significaria que estariam alcançando melhores condições de saúde, por terem microbiotas mais próximas às encontradas nas crianças saudáveis.
Baseando-se nesse ecogrupo de bactérias, foram comparadas as microbiotas saudáveis àquelas encontradas em crianças com desnutrição moderada e grave. Isso possibilitou o estudo de eficácia do tratamento por meio de dietas nutricionais a partir de um suplemento alimentar, baseado em prebióticos e probióticos, desenvolvido pelos pesquisadores para “orientar” a microbiota e solucionar o problema da desnutrição.
Pela aplicação desse suplemento, batizado de MDCF-2 (microbiota-directed complementary foods), crianças com desnutrição moderada passaram a ter microbiota semelhante à das crianças saudáveis. Já crianças gravemente desnutridas, apresentando maiores desvios detectados na microbiota intestinal, conseguiram uma evolução semelhante à das crianças com desnutrição apenas moderada.
O coordenador do NUBIMED, Prof. Aldo Lima, entende que esse estudo cria um novo potencial para o desenvolvimento farmacológico de terapias que tenham o intuito de recuperar e prevenir problemas causados por complicações na microbiota, como déficit no crescimento e no desenvolvimento físico e cognitivo das crianças.
“Essa dieta é uma ferramenta para investigar, em estudos maiores com diferentes populações e diferentes graus de desnutrição, como reparar a imaturidade da microbiota intestinal, que afeta várias facetas do crescimento infantil”, justifica o pesquisador, que é coordenador de um dos projetos contemplados no edital do Programa Institucional de Internacionalização (PRINT), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
DESENVOLVIMENTO
Avaliações como essas são importantes para que sejam definidas formas de evitar o ciclo de doenças entéricas (diarreia), desnutrição e enteropatia tropical (má absorção por alterações na mucosa intestinal). Com infecções intestinais permanentes, há maior dificuldade de absorver os alimentos ingeridos, o que amplia a desnutrição. Esta, por sua vez, causa aumento na severidade e na incidência da diarreia.
Uma consequência direta desse ciclo é justamente a influência negativa que exerce no desenvolvimento das crianças, tanto física quanto mentalmente. Pesquisas anteriores do NUBIMED, feitas com crianças de regiões periféricas de Fortaleza, já tinham constatado que há um impacto direto no crescimento e no desenvolvimento cognitivo de crianças acometidas por essas doenças.
Os estudos haviam avaliado os efeitos dessas disfunções em fatores como inteligência e memórias visual, auditiva e semântica de grupos infantis. Realizada desde os anos 1990, a pesquisa já apontava que as doenças podem afetar em até 4 centímetros o crescimento e reduzir em 10 pontos em teste de quociente de inteligência (QI), levando em conta a comparação com crianças saudáveis.
Um fator agravante apontado pelas pesquisas do NUBIMED foi percebido na relação entre a diarreia e a frequência escolar: a perda de um ano de estudo era mais frequente entre as crianças afetadas, algo que, consequentemente, poderia contribuir também para seu déficit cognitivo e de desenvolvimento.
A PESQUISA
A análise das amostras fecais das crianças ocorreu por nove semanas. As duas primeiras foram um período de observação pré-tratamento. Durante as semanas seguintes, houve a administração das dietas, em que as crianças receberam os suplementos alimentares. As últimas duas semanas foram de observação pós-tratamento, com a obtenção de resultados pelos pesquisadores.
Fonte: Prof. Aldo Lima, coordenador do NUBIMED – e-mail: alima@ufc.br