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Saúde

Pesquisa melhora fármacos contra Chagas e elefantíase

Pesquisadores estudam maneiras de melhorar fármacos contra as “doenças negligenciadas”, de pouco interesse para a indústria

Pesquisadores do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará têm trabalhado na melhoria de medicamentos voltados ao combate de doenças negligenciadas, como Chagas, esquistossomose (barriga-d’água), filariose (elefantíase) e tuberculose. A partir de mudanças na organização molecular desses medicamentos, é possível aperfeiçoar fatores como a solubilidade dos compostos, tornando-os mais eficientes.

Com esse método, já foram melhorados o único medicamento usado na terapia contra a doença de Chagas, o benznidazol, e um dos utilizados contra a filariose: a dietilcarbamazina. O foco neles está justamente no fato de não haver outros medicamentos com essas finalidades. Em razão disso está a importância de aprimorá-los.

Um dos grandes problemas enfrentados hoje por quem depende desses medicamentos é a eficiência. Como estão em forma de comprimido (pela praticidade de tomar e de produzir o fármaco), a solubilidade acaba sendo reduzida, ou seja, eles não são bem dissolvidos no organismo e não chegam ao sangue facilmente, o que obriga os pacientes a tomar doses mais altas, aumentando a incidência de efeitos colaterais.

Pesquisadora utiliza difrator de raio X (Foto: Jr Panela/Agência UFC))

Pesquisadores realizam difração de raios X para produzir imagem tridimensional da estrutura cristalina dos medicamentos (Foto: Jr Panela/Agência UFC)

Para resolver a questão, os pesquisadores realizam alterações na organização molecular do composto, chamada estrutura cristalina, sem mudar suas propriedades químicas. Assim, o fármaco pode se tornar mais solúvel sem perder seus princípios ativos, garantindo o mesmo efeito terapêutico com doses mais esparsas e menores.

A pesquisa parte do conceito de polimorfismo, segundo o qual os materiais podem ter mais de uma estrutura cristalina. Isso é o que diferencia, por exemplo, o carvão do diamante: ambos são feitos de carbono, organizado de modo diferente. É também por isso que, do ponto de vista da composição química, um chocolate na geladeira, em baixas temperaturas, apesar de ficar branco e parecer mofado, não se distingue de um chocolate fresco: a diferença está na organização das moléculas de cacau provocada pelo frio.

“Quando as moléculas estão organizadas do jeito certo, o medicamento funciona como é previsto. Quando não, ainda que, quimicamente, uma forma seja exatamente igual à outra, as propriedades não são aproveitadas adequadamente”, explica o Prof. Alejandro Ayala, pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Física e coordenador do Laboratório Multiusuário de Cristalografia Estrutural (Labcres), onde o estudo é feito.

Além de mudar a forma como as moléculas estão organizadas, o Labcres também trabalha com a adição de substâncias à estrutura cristalina que auxiliam na resolução dos problemas apresentados pelo composto. São substâncias que não têm ação biológica ativa, mas são seguras do ponto de vista químico e podem aperfeiçoar algumas propriedades do fármaco.

Professor Alejandro Ayala em frente a equipamentos do Laboratório (Foto: Jr Panela/Agência UFC)

Prof. Alejandro Ayala se dedica a melhorar medicamentos já existentes para as chamadas doenças negligenciadas (Foto: Jr Panela/Agência UFC)

APROVEITAMENTO DE POTENCIAL

O estudo busca, com essas práticas, resolver o problema mercadológico que envolve os medicamentos dedicados ao enfrentamento dessas doenças consideradas negligenciadas. Como são males que afetam principalmente populações de baixa renda, eles devem ser necessariamente de baixo custo. “Não são um alvo comercial para a indústria farmacêutica. Há medicamentos, mas são velhos e têm vários problemas”, afirma Ayala.

Além disso, entende-se que há um potencial de produção farmacêutica não aproveitado com relação à maioria das substâncias estudadas em laboratório. Segundo o pesquisador, a cada 10 mil moléculas pesquisadas, somente uma chega ao mercado como medicamento. “Elas são descartadas porque suas propriedades físico-químicas não são adequadas, e é isso que consertamos aqui”, diz.

“Quando temos dois ou três fármacos, não se podem descartar novas possibilidades. Precisamos não só melhorar o que já temos, mas também conseguir novos medicamentos”, argumenta o professor.

O caminho para transformar essas novas estruturas cristalinas em medicamentos de fato é longo, mas a metodologia adotada na pesquisa traz vantagens para a indústria. Como são moléculas já conhecidas e aprovadas em laboratório, muitos testes necessários, como o de toxicidade, já haviam sido realizados anteriormente e podem ser aproveitados, facilitando bastante o processo de produção do medicamento.

FARMACOPEIA
Pesquisadora analisa medicamentos em microscópio no Labcres (Foto: Jr Panela/Agência UFC)

Os estudos do Labcres passaram a introduzir novos métodos – inclusive para controle de qualidade – na Farmacopeia Brasileira, conjunto de normas e procedimentos reunidos pela Anvisa (Foto: Jr Panela)

Como método para determinar a organização molecular e assim poder estudá-la, o Labcres usa a difração de raios X, que são incididos nas estruturas cristalinas e difratados por elas. A partir da medição do ângulo e intensidade desses feixes difratados, uma imagem tridimensional daquela estrutura é produzida no computador.

Até então, as técnicas utilizadas para visualizar as estruturas cristalinas não se enquadravam em um protocolo de controle de qualidade, algo que mudou com os estudos do laboratório, que promoveu a inclusão do método de difração de raios X na farmacopeia brasileira, espécie de compêndio de normas e procedimentos organizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“Não havia uma técnica com valor legal que pudesse ser usada para estudos desse tipo, então as empresas não tinham um método específico e a Anvisa não podia pedir a elas um rigor maior”, diz o Prof. Ayala, ressaltando que o trabalho dos pesquisadores acaba por funcionar também como controle de qualidade de fármacos.

O pesquisador afirma que essa perspectiva de engenharia de cristais, com o estudo das estruturas moleculares dos fármacos, tem ganhado força e já estão surgindo os primeiros produtos desenhados completamente com base nesses métodos.

“A nova grande revolução da indústria farmacêutica vai nascer dos nanomateriais, mas isso ainda vai levar tempo. Por outro lado, há algo muito mais próximo de nós, no âmbito dos cristais, com os quais trabalhamos. Já há uma otimização de métodos a partir do que é conhecido e aprovado. Será esse o caminho seguido pela indústria no curto prazo”, acredita.

Fonte: Prof. Alejandro Ayala, coordenador do Labcres – ayala@fisica.ufc.br

 

Kevin Alencar 24 de abril de 2018

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