Há na região dos municípios de Itatira e Madalena uma lenda sobre uma princesa indígena fugida com um amante pertencente a outra tribo, ambos impedidos de amarem-se pelos seus respectivos povos. A residência do casal teria sido uma gruta situada no limite entre as duas cidades, próxima à localidade de São José dos Guerra, a 180 quilômetros de Fortaleza. A caverna, que remonta à Pré-História, tornou-se o palácio da princesa, ou, como é conhecida pela população local atualmente, a Casa de Pedra.
Estudar essa formação geológica e todos os seus aspectos culturais e mitológicos tem sido tarefa de pesquisadores do Departamento de Geologia (Degeo) da Universidade Federal do Ceará. O objetivo do grupo é mapear toda a Casa de Pedra, desvendando seus segredos geológicos e ao mesmo tempo estimulando a fortalecimento do vínculo cultural dos visitantes com o local, a partir dos mitos que cercam a caverna.
Após a conclusão do trabalho de localização dos achados arqueológicos e do mapeamento de todas as câmaras da caverna, a ideia é tornar a Casa de Pedra mais segura para uso turístico e de educação ambiental e cultural das comunidades de seu entorno. Com o estudo, as zonas de perigo, seja por risco de queda de blocos, seja pela dificuldade para caminhadas, serão conhecidas, havendo uma melhor orientação sobre os trajetos a serem explorados turisticamente.
Além disso, estima-se que o valor histórico da caverna seja de grande valia. As gravuras de figuras humanas encontradas nas paredes de mármore, apesar de não terem ainda uma datação concreta, podem ser os mais antigos registros rupestres do Ceará. As marcas de água e a proximidade com cursos de rios também indicam a presença de tribos pré-históricas, pela necessidade que os antigos homens tinham de estar próximos a uma fonte hídrica.
HISTÓRIAS
Os habitantes das cidades próximas à gruta, tanto de Madalena quanto da vizinha Itatira, já são conhecedores de algumas das peculiaridades do local. O chamado quarto da princesa, por exemplo, é lugar de visitação comum: com o que parece ser uma cama feita de pedra, o salão é um dos locais preferidos dos frequentadores, pois permite um bom descanso e aproveitamento de ar fresco.
Outro espaço, conhecido como o quarto escuro, guarda histórias que dialogam com o terror. Segundo o imaginário popular, como se trata de uma região com pouca luz nem mesmo velas se sustentam lá, e lanternas são incapazes de manter o foco. Mas o que parece uma sala de infinito breu é, na verdade, apenas um pequeno corredor: bastam alguns passos e quem entra lá alcança logo outro espaço da caverna, bem mais iluminado.
Na Casa de Pedra, as gravuras rupestres pré-históricas dividem lugar com registros dos visitantes recentes, que deixam seus nomes marcados nas pedras como forma de criar um vínculo com o lugar
Impedir que esses mitos morram é um dos cuidados dos pesquisadores do Departamento de Geologia, que buscam aliar o conhecimento científico com o popular, mantendo o interesse turístico na Casa de Pedra, até mesmo na nomeação dos espaços. “Já existe um histórico da caverna e, quando a mapeamos, procuramos manter as denominações que a população deixou”, explica o Prof. César Veríssimo, coordenador do projeto Estudando e Conservando a Gruta Casa de Pedra.
Para o Prof. Wellington Ferreira, também integrante da pesquisa, é preciso haver um modo de estudar a formação geológica sem destruir os mitos criados. “É preciso ter sensibilidade. O recebedor (a população) do conhecimento científico precisa assimilá-lo, mas equilibrar com seu conhecimento tradicional, pois são as peculiaridades e as lendas que tornam o lugar atrativo”, acredita.
VÍNCULO
Na Casa de Pedra, as gravuras rupestres pré-históricas dividem lugar com registros dos visitantes recentes, que deixam seus nomes marcados nas pedras como forma de criar um vínculo com o lugar. As pichações, entretanto, apesar do valor pessoal, muitas vezes acabam por degradar o lugar, inclusive se sobrepondo às pinturas antigas e apagando-as.
Redirecionar essa criação de vínculo, importante para os visitantes, também é um dos objetivos do Degeo. O grupo espera, a partir do potencial educacional da caverna, promover o uso ambiental e historicamente consciente do lugar. “Há um valor científico, turístico e educacional, porque vislumbramos aquilo como sala de aula, onde podemos mostrar aos agentes da comunidade como disseminar essa preservação”, diz o Prof. Wellington.
A criação de um mural destinado às marcações dos visitantes ou mesmo um mural virtual, por exemplo, podem ser algumas soluções para o problema. “Mudou-se a forma de se expressar. Antes havia necessidade de registrar fisicamente, mas por que não registrar virtualmente? Se conseguirmos regular essa visitação, a difusão e a troca de experiências na educação ficarão mais fáceis”, argumenta o Prof. César.
Após todo o trabalho topográfico, auxiliado até por drones, o laboratório publicará um livro no qual será discutida não apenas a geodiversidade e as questões de patrimônio da Casa de Pedra, mas também o processo de formação da caverna. A ideia também é levar o mesmo tipo de estudo para outros locais do Ceará, onde outras grutas são fonte de vínculo com a comunidade que as cerca.
Fonte: Prof. César Ulisses Veríssimo, do Departamento de Geologia – fone: (85) 3366 9867 / 3366 9874 / e-mail: cesarulisses85@gmail.com