Um estudo da Universidade Federal do Ceará, produzido em parceria com pesquisadores do Pará e do Reino Unido, se debruçou sobre um ecossistema vítima de uma contradição: os campos rupestres sobre cangas ferrugíneas, que, apesar de abrigarem milhares de diferentes espécies e formações geoambientais, estão entre os afloramentos que mais sofrem com as ameaças de degradação, por serem alvo de interesse da atividade mineradora.
Também conhecidas como ilhas de ferro, as cangas são formadas principalmente por rochas ferruginosas. A pesquisa, feita no âmbito do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR), analisou e comparou a ocorrência desses sistemas na região da serra dos Carajás, no Pará (contexto amazônico), e no Sudeste do Brasil, considerando os afloramentos da serra do Espinhaço, em Minas Gerais.
O principal objetivo foi estudar a biogeografia dos ecossistemas, algo necessário para a formulação de políticas de preservação. Tanto as regiões de cangas em Carajás quanto no Sudeste brasileiro são representações dos chamados campos rupestres, mas foi constatada uma diferença substancial na composição de espécies das duas regiões, o que alerta para a necessidade de criação de políticas específicas para cada um deles.
A heterogeneidade e a diversidade de espécies vegetais já eram uma característica conhecida dos campos rupestres de Minas Gerais, ou seja, as próprias comunidades florísticas em Minas são diversas entre si, com uma grande quantidade de espécies únicas para cada comunidade. O estudo conseguiu mostrar, entretanto, uma diferença ainda maior quando fez a comparação com os sítios da Amazônia.
Por exemplo, de 801 angiospermas (grupo de plantas com flores, analisadas pelos pesquisadores) encontradas em Carajás e incluídas nas análises, apenas 74 eram compartilhadas com as cangas de Minas Gerais, que apresentou um total de 974 espécies.
“Assim, não há um único grupo de espécies típicas das cangas, mas, sim, comunidades vegetais muito diferentes entre as cangas da Amazônia e do Sudeste do Brasil”, diz o Prof. Marcelo Moro, responsável pela pesquisa no LABOMAR.
CONSERVAÇÃO
Uma consequência prática dos apontamentos feitos por esses dados é o tipo de planejamento de preservação para os locais. Uma vez que há tanta heterogeneidade, tanto entre diferentes sítios da mesma região quanto entre as regiões (Carajás e Espinhaço), a conservação de apenas pequenas porções de cada local não seria algo efetivo para a conservação da biodiversidade total dos ecossistemas.
“Nós mostramos no trabalho que a composição de espécies nas comunidades vegetais do Pará e de Minas é muito diferente entre si e, por isso, uma política de conservação teria de levar em conta essas diferenças, protegendo partes representativas do ambiente tanto na Amazônia quanto no Sudeste do Brasil”, explica Moro.
Um exemplo recente de política de preservação é a criação do Parque Nacional dos Campos Ferruginosos. Estabelecido em 2017, o parque proíbe mineração em parte do ecossistema dos Carajás, porém, compreende apenas duas serras da região (Tarzana e Bocaina), abrangência insuficiente para a conservação de toda a biodiversidade, já que outros sítios trazem ocorrência de espécies não encontradas nessas duas serras.
Além disso, o estudo mostra que as duas serras recentemente protegidas são mais similares entre si, do ponto de vista de variedade de espécie, do que de outras serras da região, como a Norte e a Sul, ambas ameaçadas pela expansão da atividade mineradora. Uma proteção à biodiversidade completa deveria contemplar, portanto, também esses dois locais.
“Os campos rupestres ocorrem só no topo dos morros, cercados pela floresta, e o que vimos é que há uma variação na composição de espécies entre diferentes topos de morro, ou seja, não encontramos as mesmas espécies em todas as áreas”, garante Moro. “Com isso, para pensar na conservação, é preciso proteger parte de cada morro, para que as espécies restritas a um ou poucos topos não desapareçam.”
CATALOGAÇÃO
A flora de cangas de Minas Gerais já era bem conhecida da ciência, com boa parte das espécies catalogadas em estudos anteriores, mas apenas a partir de 2016 o mesmo passou a ser feito com as cangas amazônicas, através do projeto Flora das Cangas de Carajás. Conduzido pela pesquisadora Daniela Zappi, do Instituto Tecnológico Vale (ITV), e pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, o projeto resultou na documentação inédita dos campos rupestres ferruginosos da Amazônia.
Ao todo, foram registradas 116 famílias, 419 gêneros e 856 espécies de plantas angiospermas, foco do estudo. “Se incluirmos licófitas, samambaias e plantas avasculares, a riqueza catalogada passa de mil espécies”, ressalta Moro. O trabalho (disponível aqui e aqui) foi publicado pela revista Rodriguésia, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
O estudo comparativo entre as regiões de Carajás e de Minas Gerais pode ser lido (em inglês) no site da revista Plos One.
Fonte: Prof. Marcelo Moro, do LABOMAR – e-mail: marcelomoro@ufc.br