Além de ter espaço privilegiado na culinária local, a tilápia vem ganhando importância na medicina pelas inúmeras aplicações de sua pele em tratamentos inovadores de queimaduras e úlceras, em cirurgias de reconstrução vaginal, na redesignação sexual e na veterinária. Entretanto, suas vísceras seguem sendo um resíduo sem uma destinação sustentável, ainda mais considerando que o Brasil é o quarto maior produtor mundial do peixe.
Na busca por uma solução para esse problema, um grupo de pesquisadoras da Universidade Federal do Ceará (UFC) desenvolveu um produto de uso farmacêutico e cosmético a partir do óleo obtido dessas vísceras. Trata-se de um óleo com ação hidratante e restauradora da pele e dos cabelos, que utiliza nanotecnologia para ampliar a sua eficácia e reduzir reações adversas. O invento acaba de receber sua carta-patente e avança em seu desenvolvimento para iniciar seu registro e comercialização.
Os testes realizados pelas pesquisadoras comprovaram que o óleo de tilápia desenvolvido, quando utilizado em máscaras capilares, é eficaz em selar as cutículas e restaurar o aspecto saudável de cabelos danificados por descoloração química e/ou uso de secadores. Outros ensaios in vitro também demonstraram que o óleo e suas formulações, por meio da nanotecnologia, são eficazes na distribuição de bioativos nas camadas internas da pele (epiderme e derme). Com isso, o produto mostrou seu potencial para superar uma das principais limitações de produtos farmacêuticos: a penetração cutânea.

“Os resultados indicam que o óleo de tilápia é uma alternativa inovadora e eficaz tanto para o cuidado capilar quanto para o desenvolvimento de soluções mais eficientes para a saúde da pele”, garante a professora Nágila Ricardo, do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica da UFC e uma das autoras do invento.
As vísceras da tilápia são um material de conteúdo oleoso que possui baixo valor nutricional, não competindo com outros peixes, como o salmão, na indústria alimentícia. Por essa razão, o óleo da tilápia recebe outras aplicações, sendo usado como emoliente para tinturas ou como impermeabilizante, mas parte considerável de sua produção é descartada inadequadamente em aquíferos ou em aterros sanitários, sendo responsável, assim, por desequilíbrio e dano ambiental. “Aproveitar este óleo em uma nova rota produtiva surge como uma solução sustentável e eficiente, reintegrando-o à cadeia produtiva”, destaca a professora.
SEM CHEIRO DE PEIXE
Não há registros do uso do óleo de tilápia em produtos cosméticos, especialmente porque o processo clássico de obtenção do óleo gera um produto final com características pouco atrativas, especialmente pela presença de impurezas, que lhe conferem o forte odor característico de peixe. O invento desenvolvido na UFC, contudo, estabelece um novo processo de extração do óleo, garantindo a obtenção de um produto livre do referido cheiro, com baixa acidez e com propriedades cosméticas de hidratação e restauração.
Para isso, as pesquisadoras trouxeram como novidade no processo a prévia eliminação da vesícula biliar do conteúdo visceral, seguida da utilização de um processo de extração do óleo baseado na associação de congelamento e aquecimento a baixa temperatura. Tal inovação favorece a extração mais eficiente do óleo presente nos tecidos, aumenta seu rendimento e preserva suas características originais.

O processamento inclui ainda a associação de técnicas de purificação que garantem a eliminação das impurezas e a obtenção de um produto clarificado e sem cheiro, ideal para ser utilizado como insumo cosmético.
O desenvolvimento do produto foi o tema da tese de doutorado de Camila Peixoto, no Programa de Pós-Graduação em Química da UFC, sob orientação da professora Nágila Ricardo. Segundo a pesquisadora, o processo desenvolvido de extração do óleo das vísceras do peixe é semelhante ao já amplamente utilizado na indústria para a obtenção de óleo a partir de outras matérias-primas. “Essa similaridade facilita o escalonamento da produção em larga escala. Além disso, considerando a alta produção de tilápia e o consequente volume de resíduos gerados, há um grande potencial para o reaproveitamento desse subproduto de forma eficiente”, relata Peixoto.
USO NA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA
Além do uso cosmético, o óleo também poderá ser aplicado como um nanocarreador para a indústria farmacêutica. “Um nanocarreador é uma estrutura muito pequena, criada para transportar substâncias, como medicamentos ou nutrientes, até um local específico do corpo. Ele é feito usando técnicas que reduzem o tamanho das partículas para uma escala nanométrica, como as ondas ultrassônicas”, explica Camila Peixoto. Dessa forma, o óleo de tilápia poderá servir como um minúsculo invólucro de substâncias importantes, protegendo-as de fatores como oxidação ou calor e liberando-as lentamente, o que torna os tratamentos mais eficazes.
Peixoto esclarece que, em terapias convencionais, a concentração da droga no sangue sobe até atingir o pico e depois diminui, exigindo novas doses para manter os níveis. Essa oscilação pode causar efeitos adversos, isto é, concentrações altas podem resultar em toxicidade; já as baixas podem ser ineficazes, até induzindo resistência ao fármaco. “Em contraste, sistemas nanoestruturados, como o que propomos para o óleo da tilápia, mantêm a concentração do ativo estável dentro da faixa terapêutica, aumentando o índice terapêutico, melhorando a resposta imunológica e minimizando os efeitos colaterais comuns dos sistemas tradicionais”, defende.

Outras vantagens do nanocarreador é o fato de ele ser natural e sustentável, uma vez que se trata de um subproduto do peixe, e pode ser adaptado para diferentes tratamentos, sejam eles terapêuticos ou cosméticos.
COMERCIALIZAÇÃO
A professora Nágila Ricardo informa que o estudo está atualmente em fase de ajustes na formulação e de condução de rigorosos testes toxicológicos, essenciais para garantir a segurança e a qualidade do produto. “Assim que finalizarmos essa etapa crucial, estaremos prontos para iniciar o processo de registro e avançar para a comercialização. Com esse progresso, reforçamos nosso compromisso em levar ao mercado uma solução inovadora e confiável, contribuindo para atender às necessidades da comunidade com excelência”, vislumbra.
Para ela, a concessão da carta-patente e a divulgação de informações sobre o invento deverão atrair investidores, facilitar parcerias e abrir oportunidades para expansão em novos mercados.
Além da professora Nágila Ricardo e de Camila Peixoto, o invento traz também como autoras as pesquisadoras Tamara Gonçalves de Araújo, Bianca Oliveira Louchard, Laysa Nobre Almeida e Antonia Flávia Justino Uchoa.
Fontes: Camila Peixoto, egressa do doutorado em Química da UFC – e-mail: camilapvalle@gmail.com / professora Nágila Ricardo, do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica – e-mail: naricard@ufc.br
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