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“Menos é mais” na moda: slow fashion se expande na pandemia; pesquisa identifica perfil de seus consumidores

Estudo desenvolvido pela UFC mostra que versatilidade e durabilidade são as características mais buscadas por quem consome produtos da “moda lenta” no Ceará

O tabloide britânico The Sun publicou, no mês de agosto, uma matéria sobre a australiana Mikaela Testa, uma influenciadora digital que revelou gastar com roupas o equivalente a R$ 19 mil a cada semana, porque não gostava de repetir o visual. A notícia circulou através dos continentes, levantando discussões sobre práticas nocivas de consumo.

Em um movimento contrário, expande-se no Brasil e no exterior o chamado slow fashion, que defende a sustentabilidade no mundo da moda. No Ceará, novas marcas focadas nesse conceito vêm sendo criadas, e um estudo desenvolvido na Universidade Federal do Ceará acaba de delinear o perfil dos consumidores desses produtos no Estado.

A “moda lenta”, mais conhecida por aqui através do termo em inglês, surgiu como uma resposta ao que seria o fast fashion, que comanda a indústria da moda por meio de um modelo de respostas rápidas às tendências, estimulando a criação de novos desejos por produtos que rapidamente se tornam obsoletos. Esta indústria também vem protagonizando escândalos por conta de danos ambientais causados ao longo de sua cadeia de suprimentos e por denúncias de exploração de trabalhadores.

Pelos impactos negativos nas pessoas e no meio ambiente, o fast fashion vem sendo considerado insustentável por pesquisadores. Uma das alternativas a esse sistema seria exatamente o slow fashion, que aposta em roupas de fabricação local, muitas vezes buscando uma valorização do artesanato do lugar, caracterizadas pela sua alta durabilidade e originadas de materiais sustentáveis. O movimento também defende a prática do comércio justo.

Pesquisadores responsáveis pelo estudo
Pesquisadores responsáveis pelo estudo (da esquerda para a direita): Érica Sobreira e os professores Cláudia Buhamra e Clayton Silva (Foto: Arquivo pessoal)

Para a Profª Cláudia Buhamra, do Departamento de Administração (FEAAC/UFC), a pandemia teria contribuído para o avanço desse tipo de relação de consumo com a moda. “Constata-se uma crescente consciência individual ligada às premissas do slow fashion: qualidade além de quantidade, e consumo menor e melhor, tendência reforçada pela pandemia da covid-19, que legitimou a percepção do ‘menos é mais’”, analisa a professora.

Ela é uma das autoras do artigo Slow Profile: Estudo das Orientações ao Consumo de Slow Fashion, publicado na Revista Eletrônica de Negócios Internacionais Internext. O estudo identificou os perfis de consumidores de moda lenta no Ceará.

VERSATILIDADE E DURABILIDADE ATRAEM MAIS

Entre os principais achados da pesquisa está a constatação de que, por aqui, a funcionalidade das peças é uma das características mais buscadas pelos compradores de moda lenta. Ou seja, os consumidores cearenses dessa moda dão preferência a roupas versáteis, de alta durabilidade e que vão além das tendências da moda, durando por várias temporadas.

Existem poucas pesquisas sobre esse tipo de moda no Brasil. Nos Estados Unidos, um outro estudo buscou entender esses consumidores e identificou que o quesito exclusividade é um fator importante na decisão de compra. O estudo desenvolvido na UFC, contudo, observou o contrário no mercado cearense, estabelecendo uma categoria que denominaram de “avessos à exclusividade”.

“Esse grupo de potenciais consumidores cearenses de slow fashion são indivíduos com elevada orientação a esse tipo de consumo, mas que se afastam quando o consumo requer a escolha de peças raras, de edição limitada e que poucas pessoas têm, o que é entendido como a exclusividade na moda slow”, analisa Érica Sobreira, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Administração e Controladoria (PPAC) da UFC, autora principal do artigo. Segundo Clayton Silva, doutorando do PPAC/UFC e coautor do estudo, uma das justificativas para esse comportamento seria o fato de que os atributos de exclusividade tendem a elevar os preços para o consumidor final, tornando-se uma barreira para alguns consumidores.

roupas em cabides
A “moda lenta”, mais conhecida por aqui através do termo em inglês, surgiu como uma resposta ao que seria o fast fashion, que comanda a indústria da moda por meio de um modelo de respostas rápidas às tendências (Foto: Teksomolika/Freepik)

Os autores avaliam que o consumidor de slow fashion no Ceará transita entre um consumo mais premium, isto é, mais próximo da moda de luxo, e um mais acessível, encontrado no fast fashion. “Uma proposta de consumo slow menos exclusiva poderia tornar o preço dos produtos mais acessível, atraindo um segmento de consumidores de fast fashion”, propõe Clayton Silva, que é também professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI).

Uma das alternativas para o consumo de moda lenta mais acessível seria a compra de produções artesanais locais. Outro achado do estudo foi observar que os maiores compradores do slow fashion são os consumidores do interior do Estado, e esse resultado pode ter uma relação direta com o consumo de peças do artesanato local. “Considerando que o comércio na capital demanda maiores custos de estoque e distribuição de produtos para outras localidades, é possível que os preços de peças produzidas e comercializadas no Interior se tornem ainda mais acessíveis”, sugerem os autores. O estudo também aponta que a noção de artesanato como elemento da cultura local pode ser mais forte entre consumidores de cidades do Interior, o que poderia torná-los mais propensos às compras de produtos slow fashion.

Os autores destacam que o caráter artesanal, de pequena escala da moda lenta, reforça a ideia do pertencimento ao seu lugar de origem por meio do consumo dos produtos. Este aspecto ganha força no Ceará, no qual o trabalho desenvolvido por rendeiras vem sendo crescentemente reconhecido e aproveitado por marcas associadas ao slow fashion. “Identificamos a presença cada vez maior de marcas dessa natureza no Estado, o que sugere que este mercado está em ascensão por aqui. Por exemplo, algumas dessas marcas contam com uma cadeia produtiva responsável e justa que trabalha em parceria com artesãos cearenses sob a proposta do slow fashion”, destaca Érica Sobreira.

POLO DE MODA

Sediando diversos eventos nacionais e internacionais do mundo da moda, como o Dragão Fashion, maior evento de moda autoral da América Latina, e o Ceará Fashion Trade, feira de moda de Fortaleza onde pequenas, médias e grandes empresas expõem os produtos típicos da moda cearense, o Ceará é uma referência para esse mercado no Brasil. Segundo a Profª Cláudia Buhamra, a moda lenta já conseguiu se encaixar nesses eventos comerciais.

roupas em uma gaveta
Informações do estudo podem ser utilizadas pelo mercado local para melhor direcionar a produção de suas peças e as suas campanhas de marketing (Foto: Wirestock/Freepik)

“O conceito slow já habita o mundo fashion com produtos e marcas cuidadosamente desenvolvidos através dos critérios de produção responsável nos âmbitos social, ambiental e econômico, buscando minimizar os grandes problemas que a indústria da moda enfrenta globalmente nos dias de hoje: o desperdício, a geração de lixo e a escravidão da mão de obra”, aponta.

Segundo ela, o Nordeste sempre foi reconhecido por sua mão de obra artesanal, mas reforça que esta nem sempre recebe a remuneração justa de seu trabalho. A fiscalização dessas práticas pode vir, destaca, de três agentes: “o Estado, com sua legislação; o concorrente, com melhores ofertas, e o consumidor que, mais consciente, cobra responsabilidade e denuncia ações que não respeitam os critérios de sustentabilidade”.

Érica Sobreira salienta que pesquisas têm apontado que, de forma geral, o consumidor brasileiro parece estar se engajando mais em práticas de consumo consciente e sustentável, e o setor produtivo ligado à moda lenta precisa saber como chegar aos públicos que despertaram o interesse pela sustentabilidade nas compras de vestuário. Para a Profª Cláudia Buhamra, o estudo desenvolvido na UFC contribui ao identificar os perfis de consumidores que mais valorizam o slow fashion, informações que podem ser utilizadas pelo mercado local para melhor direcionar a produção de suas peças e as suas campanhas de marketing.

Fontes: Érica Sobreira (erica.mcs21@gmail.com); Clayton Silva (claytonrmsilva@gmail.com); Profª Cláudia Buhamra (buhamra@ufc.br)

Sérgio de Sousa 21 de setembro de 2021

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