Que as pessoas com doenças crônicas pré-existentes, como hipertensão e diabetes, são mais suscetíveis a desenvolver quadros graves de covid-19 já era informação bastante difundida. O que cientistas de oito universidades e centros de pesquisa, entre eles a Universidade Federal do Ceará, descobriram é que esse segmento também foi mais propício a desenvolver quadros de ansiedade e depressão durante o período de isolamento social provocado pela primeira onda de covid-19, em 2020.
Homens portadores de doença crônica foram 15% mais propícios a desenvolver sintomas depressivos do que os que não apresentam comorbidade. Nas mulheres, o dado é ainda pior: 19%. Cenário não muito diferente se repete quando o assunto são sintomas de ansiedade. No caso, mulheres com doenças crônicas pré-existentes registraram 16% a mais de chance de apresentar quadro de ansiedade, ao passo que entre homens o índice foi de 14%.
Para chegar à conclusão, os pesquisadores entrevistaram mais de 14 mil brasileiros, por meio de questionários on-line. Os entrevistados não precisaram dizer de qual doença crônica são portadores e, portanto, não é possível indicar se alguma delas tem efeito maior ou menor do que as demais. Os dados foram tratados e passaram por uma modelagem estatística que permitiu investigar de forma profunda as informações coletadas e publicados no artigo “Multimorbidade agrava sintomas de ansiedade e depressão durante a pandemia de covid-19 no Brasil”, na revista Journal of Affective Disorders..
JUVENTUDE, FATOR DE RISCO
Os pesquisadores já possuíam evidências de outros trabalhos que apontavam que pacientes com doenças crônicas apresentam risco aumentado de desenvolver sintomas de algum tipo de transtorno mental. Agora, conseguiram dimensionar esse risco em uma situação de isolamento social. A pesquisa permitiu ainda identificar outros fatores que não a comorbidade que podem potencializar ou reduzir o aparecimento desses sintomas.
“Um achado muito interessante, por exemplo, foi que os jovens foram mais afetados com sintomas de ansiedade durante o período de distanciamento social”, diz a Profª Elisângela Rodrigues, do Campus de Itapajé Jardins de Anita da UFC, uma das responsáveis pela modelagem estatística que estruturou o estudo.
Para o pesquisador Luis Fernando Silva Castro-de-Araújo, do Centro de Integração de Dados e Conhecimento para a Saúde (CIDACS) da Fiocruz e principal autor do trabalho, isso é esperado uma vez que os segmentos mais jovens precisam sair de casa para o trabalho, ao passo que os idosos precisam sair menos.
Separando os entrevistados por faixas etárias, os pesquisadores perceberam que as pessoas mais velhas foram menos afetadas que as jovens. “Antes da pandemia, geralmente era esperado que os indivíduos mais velhos tendessem a ter mais sintomas depressivos”, diz o texto do artigo publicado, para na sequência apontar que essa expectativa não ocorreu de fato. “No entanto, a pandemia aumentou o desemprego, a instabilidade de renda, a inflação, e esses fatores normalmente afetam mais a população mais jovem do que a mais velha. (…) Isso pode explicar por que encontramos um risco aumentado de sintomas de depressão e ansiedade entre indivíduos mais jovens”, explicam os autores no artigo.
RENDA E ATIVIDADE FÍSICA
A renda é outro fator de impacto: quanto menor a renda familiar durante a pandemia, mais suscetível o indivíduo está de desenvolver algum tipo de transtorno, seja sintomas ansiosos ou depressivos. “Nossos achados sugeriram um padrão de resposta de modo que aqueles com maior renda apresentaram menores sintomas de depressão e ansiedade em ambos os sexos, confirmando um maior impacto entre os mais vulneráveis”, diz o artigo.
Os pesquisadores também questionaram sobre a prática de atividade física. Nesse caso, também se estabeleceu a correlação entre a prática de exercícios físicos e saúde mental, o que sugere que a atividade física pode ter reduzido os sintomas ansiosos e depressivos. “Manter-se ativo foi fundamental para enfrentar a pandemia”, diz o artigo. Os autores, no entanto, ressalvam que não se pode excluir outra hipótese: a de que não seria a atividade física a causa de uma melhora na saúde mental; mas a boa saúde mental que permitiria a realização da atividade física.
Esta foi a primeira pesquisa do tipo no hemisfério Sul e os achados, segundo a Profª Elisângela Rodrigues, estão coerentes com o que as pesquisas em outros países têm identificado. No Brasil, o estudo teve a participação do CIDACS/Fiocruz-BA, UFC e Fundação Osvaldo Cruz. Também integraram o estudo pesquisadores das universidades de Harvard (EUA), Londres (Reino Unido) e Melbourne (Austrália), além das espanholas Instituto Catalão de Saúde e Instituto Universitário Para Atenção Primária em Saúde Jordi Gol i Gurina. A íntegra da pesquisa está disponível (em inglês) aqui.
Fonte: Profa. Elisângela Rodrigues – E-mail: elisangela.rodrigues@ufc.br