Era outubro de 1957 quando os russos colocaram em órbita o Sputnik 1. Foi o primeiro satélite artificial lançado ao espaço e tornou-se um marco na corrida então travada entre Estados Unidos e União Soviética pela supremacia da tecnologia espacial. Na época, a Universidade Federal do Ceará tinha menos de três anos de existência. Agora, a Instituição está prestes a ter seu próprio satélite.
Trata-se do Satélite para Análise e Coleta de Dados Experimentais (SACODE), que está em desenvolvimento no Laboratório de Engenharia de Sistemas de Computação (LESC), em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O SACODE é um nanossatélite cuja missão será obter dados do semiárido nordestino, contribuindo para informações relativas a previsão climática, umidade do solo e monitoramento de mananciais, além de ter outras possíveis aplicações. O termo nanossatélite é utilizado para designar um satélite artificial com massa entre 1 e 10 quilogramas.
A primeira fase do projeto já foi concluída: a construção do computador de bordo (espécie de cérebro do satélite), que se comunica com todos os subsistemas e permite a comunicação entre eles. Esse item é oriundo da dissertação de mestrado de David Mota (engenheiro da UFC e atualmente aluno de doutorado em Engenharia de Teleinformática), da qual partiu a ideia de produzir o nanossatélite.
Unindo baixo custo e alta confiabilidade, o computador de bordo ‒ chamado Open OBC ‒ foi escolhido para ser utilizado na Constelação de Nanossatélites Ambientais (CONASAT), projeto do Centro Regional Nordeste (CRN) do INPE, localizado em Natal, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Na segunda etapa, a equipe de nove estudantes (um de doutorado, um de mestrado e sete de graduação) e dois professores está aperfeiçoando o computador de bordo e desenvolvendo o sistema operacional embarcado que irá gerenciar as aplicações do componente.
Nas fases seguintes serão desenvolvidos os subsistemas do controle de atitude (relacionado à dinâmica de voo do satélite), do transponder para coleta de dados e das antenas responsáveis pela comunicação do satélite com a Terra. Outros subsistemas deverão ser comprados, como o de energia e o de estrutura mecânica. Além disso, serão feitos vários testes que simulam as condições adversas do ambiente espacial.
Algumas dessas fases são realizadas por instituições parceiras, que, além do INPE e da UFRN, incluem a Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Para o lançamento, que deve ocorrer daqui a dois ou três anos, a equipe espera contar também com o apoio da Agência Espacial Brasileira (AEB). Como têm pequeno porte, os nanossatélites geralmente são lançados “de carona”, acoplados a um satélite maior. Todo o monitoramento será feito por meio de processamento digital de sinais.
A altitude de órbita do SACODE será de 400 a 800 quilômetros e seu tempo da missão, de dois anos (nos quais ele funciona em plenas condições). Mas ele deverá permanecer em órbita por mais seis anos além dos dois iniciais (tempo no qual o nanossatélite continua trabalhando e enviando algumas informações, mesmo que esteja danificado). Após um prazo aproximado de 25 anos ‒ calculados com base na altitude de órbita e no peso do equipamento ‒, o objeto deverá se desintegrar ao entrar em contato com a atmosfera. O investimento total deverá ser de R$ 1,6 milhão a R$ 2 milhões, verba oriunda de órgãos de fomento e instituições parceiras.
APRENDIZADO E QUALIFICAÇÃO
“O principal ganho do projeto neste primeiro momento é formar pessoal com conhecimento na área de desenvolvimento de satélites. Todos estão estabelecendo o primeiro contato com esse tipo de projeto, e contamos com a parceria com o INPE, que nos tem auxiliado no desenvolvimento. Então, realmente é algo que empolga todo mundo”, diz Felipe Gaspar, aluno de doutorado em Engenharia de Teleinformática que, desde a graduação, trabalha em um algoritmo a ser utilizado no nanossatélite para verificar possíveis erros de transmissão.
O coordenador do SACODE, Jarbas Silveira, reforça que a formação de pesquisadores qualificados para lidar com tecnologia aeroespacial é um dos principais objetivos do projeto. “Essa é uma área carente no Brasil e é papel da Universidade formar pessoas com alto nível. Além disso, quando preparamos pessoas para aplicações dessa natureza, elas ficam capacitadas para desempenhar muitas outras tarefas”, explica o professor, referindo-se ao aspecto multidisciplinar que caracteriza projetos do tipo.
De acordo com os estudantes, o aprendizado ocorre durante todo o processo e passa pelo desafio de obter informações durante a pesquisa bibliográfica. “É um tipo de conhecimento que não está disponível nos livros de forma aprofundada. Então, o que fazemos é baixar os manuais dos controladores que fazem toda a parte de funcionamento do sistema. Então vamos estudando, colocando os termos das interfaces na Internet para pesquisar artigos. Em seguida, fazemos a implementação nos códigos e, depois, são feitos os testes”, explica Gabriel das Neves, aluno de graduação em Engenharia de Computação.
O nanossatélite tem o padrão cubesat, baseado em uma unidade padronizada de massa e volume, que mede 10x10x10 centímetros (10 cm de comprimento, 10 cm de largura e 10 cm de altura) e tem peso de 1,3 quilograma. Cada cubo representa uma unidade. O SACODE será composto por dois cubos, feitos com uma liga especial de alumínio, nos quais são inseridos os componentes eletrônicos. Além disso, serão colocados os painéis solares responsáveis por gerar a energia que manterá o equipamento em atividade quando estiver no espaço. A estrutura básica do cubesat é montada com componentes industriais já existentes, o que reduz o custo dos projetos.
A equipe completa do projeto SACODE é formada pelos professores Jarbas Silveira (coordenador) e João César Mota ‒ ambos do Departamento de Engenharia de Teleinformática (DETI) ‒ e pelos estudantes Felipe Gaspar, Gabriel da Rocha, Gabriel das Neves, Guilherme Alves, Leonel Maia, Madson Holanda, Michelly Karen, Pedro Falcão e Rodrigo Lima.
SAIBA MAIS
Os cubesats foram criados em 1999 pelos professores Bob Twiggs e Jordi Puig-Suari, da Stanford University e da California Polytechnic State University, respectivamente. A ideia era tornar o desenvolvimento de um satélite algo acessível a estudantes de escolas e universidades, que antes não tinham condições de participar de iniciativas desse tipo devido ao tempo de desenvolvimento (superior a cinco anos) e ao alto custo envolvido. Os primeiros nanossatélites foram lançados em 2003. Desde então, os cubesats têm sido utilizados para várias finalidades, como previsão de terremotos, sensoriamento de condições atmosféricas, observação do solo, entre outras.
Também em 2003, com pesquisadores do INPE e da AEB, o Brasil iniciou um programa para construir satélites de pequeno porte. O primeiro nanossatélite brasileiro, desenvolvido por pesquisadores do INPE e da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), foi lançado em 2014. De lá para cá, ocorreram mais lançamentos. Outros projetos semelhantes ao SACODE estão em andamento em universidades, institutos federais e escolas.
Veja abaixo a reportagem da UFCTV sobre o SACODE.
Fonte: Prof. Jarbas Silveira, coordenador do projeto Sacode ‒ e-mail: jarbas@lesc.ufc.br