Um minério encontrado no coração do sertão cearense pode impulsionar o futuro econômico e tecnológico da região. Pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com outras instituições, descobriram que o grafite natural de Canindé pode ser usada na produção de nanoplacas semelhantes a grafeno, um dos materiais mais promissores do século XXI.
O grafeno é um material derivado da grafita (popularmente conhecido como grafite), a mesmo usada para fazer o “grafite” do lápis. A diferença é que, enquanto o grafite é formado por várias camadas de átomos de carbono, o grafeno possui apenas uma camada. Essa estrutura o torna cerca de cem vezes mais resistente que o aço, ultraleve e flexível, além de excelente condutor de eletricidade e calor.
Apesar dessas características, a estabilização do grafeno puro ainda é um desafio, bem como sua custosa produção em larga escala. Por isso, nanoplacas de grafeno, obtidas a partir do beneficiamento do grafite e com poucas camada de átomos de carbono, se apresentam como substitutos eficientes em diversas aplicações, como eletrodos para baterias, sensores, revestimentos condutores e tintas condutivas, entre outras aplicações industriais.
A professora Lucilene Santos, do Departamento de Geologia da UFC, explica que na maioria das aplicações as nanoplacas de grafeno, principalmente aquelas com menos de cinco camadas, podem ter a mesma finalidade do grafeno puro, por possuírem a mesma composição e estrutura similar. “Essas nanoplacas são mais estáveis e têm maior viabilidade de produção, sendo uma solução eficiente”, diz a docente, que integra a equipe de pesquisadores.
As nanoplacas podem ocorrer naturalmente, associadas a zonas de cisalhamento geológico, que são regiões de intensa deformação rochosa decorrente de tensões significativas, ou serem obtidas por meio de processos simples de beneficiamento. No caso, a pesquisa buscou desenvolver e otimizar métodos para purificação e preparação dessas nanoplacas a partir do grafite de Canindé, município distante cerca de 110 quilômetros da capital, Fortaleza.
MINÉRIO ABUNDANTE E DE QUALIDADE
São estimados no município, no mínimo, 2,7 milhões de toneladas de grafite, que corresponde a área do processo minerário da empresa que cedeu as amostras. “Considerando também os estudos do Serviço Geológico do Brasil e seus mapas de favorabilidade, a quantidade de grafite em Canindé é muito expressiva, mas ainda requer cálculos de quantidade para toda essa região”, explica.
Lucilene Santos conta que, ainda nas primeiras análises, esse grafite apresentou características de um mineral de grande qualidade tecnológica, como cristalinidade e alta pureza. Usando-o como amostra, foram realizados ensaios de flotação, processo físico-químico amplamente utilizado para separar minerais valiosos de rochas indesejadas.
Com objetivo de investigar tempo de moagem, dosagem do reagente e processo de purificação ideais para a obtenção de nanomateriais à base de grafeno, foram realizados ensaios de flotação em laboratório com amostra de grafite de Canindé. O experimento foi descrito no artigo “Purification and Preparation of Graphene-like Nanoplates from Natural Graphite of Canindé, CE, Northeast-Brazil”, publicado pela revista internacional Materials, sobre ciência e engenharia de materiais.

PROCESSO DE PURIFICAÇÃO
Como depósitos naturais de grafite raramente são encontrados em estado puro, a purificação do minério é necessária para aplicações de alto desempenho. Neste processo, são separadas impurezas como silicatos, sulfetos, óxidos de ferro ou outras substâncias. Diversos métodos podem ser empregados com esta finalidade, incluindo processos térmicos, químicos e físicos.
“No caso do grafite de Canindé, o material bruto indicava boas características tecnológicas, evidenciadas pelas análises iniciais, mas com grande quantidade de outros minerais como quartzo, micas e óxidos de ferro. Então a concentração e purificação do grafite exigiu sucessivas etapas de limpeza química, como flotação, tratamento alcalino e ácido”, explica a professora Lucilene Santos.
Após processos de flotação, lixiviação e tratamento químico, a amostra alcançou uma alta pureza, com 99% de grafite, exibindo estrutura cristalina bem definida e partículas finas. Essa abordagem permitiu a formação de nanoplacas semelhantes ao grafeno multicamadas (maior que cinco e menor do que dez camadas), mas também nanoplacas com menos de cinco camadas e ainda monocamada, o que reforça a semelhança com grafeno puro.
Outra vantagem desse processo é a produção sem a necessidade de agentes oxidantes agressivos, mostrando-se uma estratégia promissora e de baixo custo para a preparação de derivados de grafeno a partir de fontes naturais. “Em comparação aos processos tradicionais que utilizam ácidos fortes e oxidantes perigosos, o nosso processo de purificação utiliza um ataque químico balanceado em conjunto com tratamento alcalino, otimizando reagentes e tempo de reação com redução do impacto ambiental e riscos laboratoriais”, destaca a pesquisadora.
APLICAÇÕES DO MATERIAL
Os próximos passos da pesquisa envolvem a otimização do processo em escala piloto, visando maior eficiência e reprodutibilidade, além de estudos mais aprofundados sobre o desempenho das nanoplacas em aplicações reais. Setores como baterias, compósitos e revestimentos condutores já empregam nanoplacas de grafeno obtidas por processos similares, em escala internacional. O grafeno tem impacto ainda em tecnologias que podem remover metais pesados, solventes e corantes da água, e como biossensores para detecção rápida de câncer.
Com essa abordagem, a equipe pretende contribuir para o fortalecimento da cadeia nacional de produção de materiais avançados, reduzir a dependência de importações e promover a utilização de recursos minerais locais de forma ambientalmente responsável. “Isso pode gerar novas oportunidades de emprego e capacitação técnica, estimular investimentos em mineração sustentável e fortalecer a economia local, além de promover um modelo de exploração mineral mais responsável e alinhado às demandas sociais e ambientais da região”, completa Lucilene.

Além de Lucilene Santos como autora principal, participaram do estudo os professores Alejandro Ayala e Bruno Araújo, do Departamento de Física da UFC; Thiago Moura, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE); João Farias, do Departamento de Química da Universidade Estadual do Ceará (Uece), e Augusto Nobre, do Departamento de Geociências da Universidade de Brasília (UnB). Completam a equipe Janaína Rocha, pesquisadora do Núcleo de Tecnologia e Qualidade Industrial do Ceará (Nutec); Raul Silva, João Farias e Francisco Willame Vasconcelos, discentes de pós-graduação da UFC.
FINANCIAMENTO
A pesquisa contou com financiamento a partir do Programa Centelha, promovido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em parceria com o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e a Fundação CERTI, com execução local da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap). A empresa Breex Mining e Tecnologia Mineral Ltda, sediada em Canindé, também é financiadora da pesquisa.
Fonte: Lucilene Santos, professora do Departamento de Geologia da UFC – e-mail: lucilene.santos@ufc.br