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Do caju ao aço: nova tecnologia da UFC promete ser solução para siderurgia e atrai interesse de mineradora global

Utilizando líquido da castanha de caju em substituição a derivados de petróleo, a inovação acaba de ser patenteada e segue aberta a acordos de licenciamento e comercialização

Resíduo agroindustrial amplamente descartado, o líquido da castanha de caju (LCC) pode agora desempenhar um papel estratégico na siderurgia, otimizando processos, reduzindo custos e se apresentando como uma solução para a transição energética do setor. Pesquisadores da Universidade Federal do Ceará acabam de patentear o uso do óleo na geração de aglomerantes para processos siderúrgicos, e a nova tecnologia já está em negociação com players nacionais e internacionais para fins de licenciamento e comercialização.

“É um caso raro em que economia e sustentabilidade caminham juntas, com performance comprovada”, comemora o professor Diego Lomonaco, do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica. Ele é um dos responsáveis pela tecnologia, que recebeu, no fim de abril, a carta patente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). 

Segundo Lomonaco, o uso do LCC tem o potencial de revolucionar o setor. Isso porque a aplicação do óleo no processo siderúrgico garante uma série de vantagens para as indústrias — com melhor desempenho e redução de impurezas no processo — e para o meio ambiente, com redução de emissões pela substituição de derivados de petróleo e pelo menor uso de combustíveis auxiliares.

Conforme a tecnologia patenteada, o LCC atua como componente-chave em uma nova geração de aglomerantes desenvolvidos para a siderurgia. Ele serve como produto base para “ligar” partículas finas de materiais, geralmente sólidos ricos em carbono e elementos ferrosos de dimensões reduzidas e proporções variadas. Esses elementos precisam ser aglomerados em corpos de maior dimensão, com resistência mecânica adequada para aplicação posterior, na forma de briquetes.

Imagem dos pesquisadores no laboratório, posando para a foto
Tecnologia foi desenvolvida durante o doutorado de Leandro Miranda (esq.), sob orientação do professor Diego Lomonaco (dir.) (Foto: Guilherme Silva/UFC)

Os briquetes são uma forma de compactar partículas finas. Por reduzirem as emissões de carbono e outros gases de efeito estufa, têm o potencial de substituir o sínter e a pelota — produtos comumente usados na siderurgia, mas de elevado impacto ambiental.

A tecnologia foi desenvolvida durante o doutorado de Leandro Miranda, sob orientação do professor Diego Lomonaco. Segundo Leandro, os finos de minério representam um problema para a siderurgia. “Eles são tradicionalmente aglomerados em processos feitos a altas temperaturas, conhecidos como sinterização e pelotização. Para alcançar essas temperaturas, a fonte térmica é a reação de combustão do carvão mineral, logo são processos que emitem grande quantidade de CO2. Aglomerar os finos via briquetagem é uma grande vantagem do ponto de vista ambiental”.

Apesar disso, o pesquisador complementa que a briquetagem não se consolidou como uma rota alternativa do processo de aglomeração. “Isso ocorre pelo fato de a tecnologia apresentar ligantes que não conferem as propriedades adequadas aos briquetes, ou ainda que acabam por aumentar muito o teor de elementos contaminantes ao processo de alto forno, como silício, alumínio, zinco e álcalis”, aponta.

Esse problema, no entanto, é solucionado com a inovação recém-patenteada pela UFC. O professor Lomonaco esclarece que a nova tecnologia consiste em uma combinação sinérgica do LCC com insumos estratégicos cuidadosamente selecionados para garantir desempenho mecânico, térmico e ambiental.

Imagem de um briquete sobre um aparelho do laboratório
Conforme os pesquisadores, o briquete é desenvolvido com insumos estratégicos que garantem desempenho mecânico, térmico e ambiental (Foto: Guilherme Silva/UFC)

“Durante a briquetagem, por exemplo, essa formulação exclusiva se infiltra entre as partículas de minério, criando ligações que conferem alta coesão e estabilidade térmica ao material. Em comparação com outras tecnologias, sua composição única reduz a necessidade de combustíveis auxiliares e aditivos convencionais, sem comprometer a eficiência energética – pelo contrário, otimizando-a”, detalha. “Trata-se de uma engenharia de materiais pensada para performance industrial e responsabilidade ambiental”.

VANTAGENS DO LCC

O líquido da castanha de caju, diferentemente de aglomerantes sintéticos ou minerais usados na siderurgia, é livre de óxidos ácidos, como sílica, óxido de alumínio e álcalis — impurezas prejudiciais aos reatores metalúrgicos. “Esses óxidos podem causar formação indesejada de escória, acelerar o desgaste dos fornos e comprometer o rendimento metalúrgico. Com nosso sistema aglomerante, a reação é limpa: melhor desempenho, menos resíduos e maior vida útil dos equipamentos”, afirma Lomonaco.

Associado a agentes minerais e estruturantes específicos previstos na patente, o LCC confere alta resistência mecânica e térmica aos aglomerados, baixa emissão de voláteis tóxicos e ausência de metais indesejáveis.

Outra vantagem do LCC é sua elevada capacidade calorífica, que permite contribuir energeticamente com o processo siderúrgico, reduzindo a necessidade de combustíveis adicionais. O líquido também não gera cinzas, o que simplifica o pós-processamento: há menos escória a tratar, menos resíduos a descartar e maior eficiência na recuperação metálica. Isso, segundo os pesquisadores, resulta em economia e ganhos operacionais diretos para a indústria.

Imagem de líquido da castanha de caju sendo gotejado em recipiente no laboratório
O líquido da castanha de caju, diferentemente de aglomerantes sintéticos ou minerais usados na siderurgia, é livre de impurezas prejudiciais aos reatores metalúrgicos (Foto: Guilherme Silva/UFC)

Além disso, destaca Lomonaco, a mistura com o LCC é compatível com os processos industriais existentes. Desde o início do desenvolvimento, buscou-se criar uma tecnologia “plug and play” — ou seja, passível de ser adotada sem alterações nas plantas industriais. “Em todos os testes realizados, a adaptação se deu com simples ajustes no sistema de mistura. Ou seja, não exige novas linhas de produção ou reformulações drásticas. O ganho é imediato”, afirma o professor. 

VIABILIDADE FINANCEIRA

Como subproduto da cadeia produtiva do caju — uma biomassa brasileira abundante e de baixo valor agregado —, o LCC tem custo muito inferior aos aglomerantes atualmente utilizados pela indústria siderúrgica. Além disso, os pesquisadores destacam os benefícios financeiros indiretos, decorrentes da adoção da tecnologia.

Entre eles: redução de despesas com tratamento de resíduos e gases tóxicos; menor desgaste de reatores e fornos, devido à ausência de contaminantes minerais; eliminação, em muitos casos, da necessidade de fontes energéticas auxiliares; e potencial geração de créditos de carbono, além de certificações ambientais.

“É uma solução de transição energética para a siderurgia, pronta para os desafios ambientais da próxima década”, avalia o Lomonaco.

A PATENTE

A tecnologia foi desenvolvida ao longo de anos de pesquisa, com diversos ensaios e ajustes até a formulação atual, considerada robusta. Após testes laboratoriais, os pesquisadores avançaram para a escala piloto e, finalmente, validaram a tecnologia com parceiros industriais.

O processo contou com a parceria entre a UFC e duas empresas: Regenera Bioenergia Indústria e Comércio Ltda. e Prorad Projetos de Engenharias, Análises Mercadológicas e Internacionais Ltda., que dividem com a universidade a titularidade da patente. A UFC liderou o desenvolvimento científico e os testes laboratoriais, enquanto as empresas parceiras — uma do setor de tecnologias sustentáveis e outra especializada em siderurgia — atuaram na etapa de desenvolvimento tecnológico, escalonamento e estratégias de aplicação prática.

Imagem de uma mão segurando um briquete, com vários outros sobre uma mesa
Com uma solução cientificamente robusta, tecnologicamente viável e comercialmente aplicável, os pesquisadores esperam negociar a tecnologia, agora patenteada (Foto: Guilherme Silva/UFC)

“Esse modelo colaborativo garantiu que a solução fosse cientificamente robusta, tecnologicamente viável e comercialmente aplicável. Uma verdadeira ponte entre o conhecimento acadêmico e as necessidades reais da indústria”, defende Lomonaco. Além de Diego Lomonaco e Leandro Miranda, a pesquisadora Selma Elaine Mazzetto também é listada como inventora.

LICENCIAMENTO E COMERCIALIZAÇÃO

Para o professor Lomonaco, a concessão da carta patente representa “um divisor de águas”. Com a propriedade intelectual formalmente reconhecida, os pesquisadores estão mais bem posicionados para negociar a tecnologia.

“Nossa expectativa é que empresas atentas à inovação, sustentabilidade e competitividade se antecipem e abracem essa oportunidade antes que ela se torne um diferencial exclusivo de algum concorrente”, afirma.

Como co-titular da patente, a UFC terá direito à participação nos lucros provenientes do licenciamento e comercialização da tecnologia. “Mais do que isso, essa conquista reforça o papel estratégico da universidade como motor da inovação sustentável no Brasil, mostrando que ciência aplicada, quando bem conectada ao setor produtivo, transforma resíduos em valor e conhecimento em soluções industriais de impacto global”, celebra Lomonaco.

Fonte: Prof. Diego Lomonaco, do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica da UFC  – e-mails: lomonaco@ufc.br / lpt@ufc.br / site: www.lpt.ufc.br.

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Sérgio de Sousa 11 de junho de 2025