Entre as medidas mais eficientes para o combate ao vírus da covid-19, está o isolamento social: evitando o contato próximo entre pessoas, o vírus tem menos chances de se espalhar, reduzindo o número de infecções. A adoção a essa medida, porém, guarda ligação com um outro fator: a confiança da população no governo.
É o que constatou pesquisa desenvolvida em parceria por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará, da Universidade Estadual do Vale do Acaraú (UVA) e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI), que avaliou a relação entre a confiança no poder público como agente capaz de lidar com a pandemia de covid-19 e a adoção do isolamento no Estado do Ceará. A conclusão foi a de que quanto mais os cidadãos confiam no governo acerca do combate ao vírus, maior é a adoção de isolamento social.
Publicado no International Journal of Public Administration, o estudo promoveu pesquisa com 1.154 cidadãos do Ceará, que responderam a diferentes perguntas sobre suas condições financeiras e de saúde, seu comportamento durante a pandemia de covid-19 e o modo como enxergam as ações do governo estadual frente ao vírus.
Três dimensões de avaliação sobre o Governo do Ceará foram consideradas: competência, benevolência e integridade, com valores indo de 1 a 5. Na primeira, a média de avaliação foi de 4,158; na segunda, de 3,815; já na terceira, de 3,753. Por fim, foi avaliada a adoção de isolamento social pelos entrevistados, resultando em uma média de 4,631.
Do ponto de vista estatístico, os dados apresentaram significância suficiente para inferir que a confiança no governo afeta positivamente a adoção do isolamento social; ou seja, quanto maior o nível de confiança, maior a prática de respeito às medidas de isolamento, sugerindo uma postura colaborativa para combater a pandemia.
“De forma geral, compreendemos que o engajamento da sociedade no combate à crise [sanitária] é um fator-chave. Assim, ao estabelecer uma relação de confiança com a sociedade, o governo passa a ter uma ação mais eficaz, uma vez que a população tende a desenvolver um senso de colaboração em relação às orientações governamentais”, defende o Prof. Clayton Silva, autor principal do estudo.
DADOS
Além da confiança no governo, outros aspectos foram avaliados, também relacionados à adoção de isolamento. Entre esses aspectos está o fato de conviver ou não com uma pessoa do grupo de risco da covid-19 e de ter sido acometido ou não pela doença durante a pandemia.
Entre os que convivem com pessoas do grupo de risco, foi constatada maior adesão ao isolamento social e maior nível de confiança no governo, o que poderia ser explicado pelo medo de expor aquela pessoa ao vírus. Por outro lado, entrevistados que testaram positivo para a doença ou tiveram sintomas aderiram menos às medidas de isolamento, além de confiarem menos no governo.
Uma possível explicação para isso sugerida pelo estudo é a de que estas últimas tenham uma menor percepção do risco e acreditem que o governo exagere nas medidas de isolamento, já que se recuperaram da doença após serem infectadas.
“O comportamento [de respeito às medidas sanitárias] pode ser observado quando a pessoa, mesmo se sentindo ‘segura’ ou ‘protegida’ contra a doença, adota uma postura mais cautelosa em respeito a pessoas próximas”, explica o Prof. Clayton Silva. “No entanto, para se ter uma ideia mais concreta sobre esse achado, é importante que outras pesquisas sejam desenvolvidas com esse foco específico”, ressalta.
Outros aspectos avaliados foram: a diferença entre a adesão de homens e mulheres (elas aderem mais ao isolamento e confiam mais no governo); o fato de viver ou não na capital Fortaleza (os habitantes do Interior aderem menos, apesar de não haver diferença no aspecto da confiança entre os dois grupos); e o nível de educação (pessoas com maior nível de educação formal aderem mais e confiam mais).
A renda dos entrevistados também foi considerada, constatando-se que pessoas com menores ganhos financeiros (até 2 mil reais) obedeceram menos ao isolamento. A compreensão do estudo é de que, para esse grupo, muitas vezes essa medida não era uma opção, já que a necessidade de trabalhar ou procurar emprego é maior.
Por fim, verificou-se que donos de negócios e empresários também aderiram menos ao isolamento e confiam menos no governo, resultado que pode se explicar por esse ser um grupo afetado diretamente pela crise de saúde e consequente fechamento de comércios.
MEDIDAS
Para o Prof. Clayton, pesquisas como essa cumprem importante papel de reunir informações que auxiliem no gerenciamento de crises de saúde como essa por parte do governo, gerando aproximação entre a esfera pública e os cidadãos.
“Os gestores públicos podem desenvolver estratégias de comunicação e informação, aproximando os cidadãos e construindo um vínculo de confiança entre governo e sociedade. Além disso, a gestão democrática e participativa, realizada de forma colaborativa e envolvendo todos os agentes sociais, tende a fortalecer as instituições e legitimar as ações dos gestores”, sugere o artigo.
No caso do Estado do Ceará, o pesquisador entende que houve uma comunicação efetiva e presente com a população, o que justificaria o estabelecimento de um vínculo de confiança. “Informar a população de forma clara e objetiva é uma questão importante, uma vez que a desinformação pode fazer com que as pessoas recaiam em comportamentos inadequados, expondo-as a situações de risco”, diz o Prof. Clayton.
CONTEXTO
Uma vez que o estudo nesse caso foi realizado somente entre cidadãos do Ceará, entender como os aspectos de confiança no governo e de respeito ao isolamento se relacionam de modo geral dependeria da exploração de outros contextos, em outros estados e considerando ainda a esfera pública federal. “Provavelmente, os achados trarão resultados inéditos, enriquecendo a discussão sobre o tema e possibilitando novos insights e pautas de pesquisa”, justifica.
A pesquisa publicada no International Journal of Public Administration teve autoria principal do Prof. Clayton Silva, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI) e doutorando na UFC pelo Programa de Pós-Graduação em Administração e Controladoria, da Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade (FEAAC).
Contribuíram com a pesquisa as professoras Cíntia Vanessa Aquino, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Vale do Acaraú (UVA); Laís Castro, do IFPI e doutoranda na UFC pelo Programa de Pós-Graduação em Administração e Controladoria, da FEAAC; Eveline Pinheiro, do Departamento de Enfermagem da UFC; e Cláudia Buhamra, do Departamento de Administração da UFC.
Leia o artigo completo (em inglês).
Fonte: Prof. Clayton Silva, doutorando no Programa de Pós-Graduação em Administração e Controladoria da UFC – e-mail: claytonrmsilva@gmail.com