Árvore nativa da Mata Atlântica, o jucá, também chamado de pau-ferro, é conhecido pela sua madeira firme, resistente, durável e de alta densidade. Devido a essas propriedades, é utilizado como matéria-prima para diversos fins, desde a construção de navios à de violões. Mas a força dessa espécie vegetal considerada o “ébano brasileiro” pode ser empregada na nobre finalidade de reestruturação de ossos. Essa é a descoberta de uma equipe de pesquisadoras do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica da Universidade Federal do Ceará que desenvolveu uma estrutura para regeneração de tecidos ósseos a partir de uma substância extraída do jucá.
A pesquisa abrange a investigação de biomateriais para implantes ósseos com alternativa de fácil produção, biodegradável e com ausência de toxicidade aos pacientes. A tecnologia em saúde gerou uma carta-patente expedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em abril deste ano.
ANDAIME
Uma equipe composta integralmente por cientistas mulheres elaborou um material classificado dentro da categoria dos scaffolds, como são chamadas as estruturas usadas na medicina regenerativa visando à reparação de tecidos e órgãos. A denominação vem da língua inglesa, significando andaime, em virtude da característica de se comportar como uma rede de suporte para a regeneração dos ossos. De estrutura tridimensional, os scaffolds são projetados para agir em processos como infiltração, crescimento e diferenciação celular, auxiliando na formação de novos tecidos ósseos.
Foi durante a análise de uma substância presente no jucá, a galactomanana, ainda em 2015, quando as pesquisadoras verificaram que, após processo de secagem, ela formava estruturas análogas às de uma colmeia de abelha, assemelhando-se a estruturas ósseas. A partir daí, veio a ideia de utilizar o polímero na elaboração de scaffolds a serem empregados em tratamentos médicos.

“Os scaffolds podem ser utilizados em diferentes tipos e estágios de danos ósseos, desde pequenos defeitos até lesões mais complexas e podem ser implantados diretamente no local do defeito ósseo. São projetados para serem biodegradáveis e biocompatíveis, permitindo que o tecido ósseo original se regenere enquanto o scaffold é gradualmente absorvido pelo corpo. Além disso, podem ser esterilizados por UV (radiação ultravioleta) para garantir segurança microbiológica antes da aplicação”, explica a professora Nágila Ricardo, que assina como inventora principal da patente.
Atualmente, o uso de biomateriais para a restauração de tecidos ósseos constitui-se uma tendência nos tratamentos de lesões. Por essa razão, os implantes são elaborados com materiais híbridos, a fim de conferir maior biocompatibilidade e menor chances de intercorrências, como infecções ou rejeições imunológicas.
Para a composição do scaffold desenvolvido na UFC, foram usadas a galactomanana extraída da semente do jucá, devido às suas propriedades elásticas; sílicas porosas, por oferecer uma boa resistência mecânica; e cálcio, como ativo para biomineralização óssea.
“A galactomanana foi escolhida por ser um polímero natural extraído da planta pau-ferro, nativa da Caatinga brasileira. Ela oferece várias vantagens como abundância e baixo custo de extração; biocompatibilidade (capacidade de interagir com tecidos biológicos sem causar reações adversas), biodegradabilidade (capacidade de ser decomposto por organismos vivos) e estabilidade térmica; ausência de toxicidade e carcinogenicidade (capacidade de induzir o desenvolvimento de câncer), além de atuar como ligante natural, promovendo a união eficaz com as sílicas porosas e facilitando a formação de estruturas com porosidade adequada à regeneração óssea”, detalha a pesquisadora.

A galactomanana como substância a ser implementada na elaboração de fármacos pressupõe ganhos não apenas para a comunidade científica, mas também para moradores do semiárido nordestino. “No interior, o jucá é muito conhecido pelo grande diâmetro da copa e por ser usada para abrigar os animais do calor. Para esses pequenos povoados será uma renda familiar a mais, porque as sementes de jucá dão em grande quantidade. Então, ela pode ser aproveitada pelos agricultores como uma forma de renda, em um processo de industrialização para retirada da galactomanana. Com isso você utiliza a planta, mas não agride a natureza”, projeta Arcelina Cunha, que integra a equipe de pesquisadoras.
APLICAÇÕES ORTOPÉDICAS E ODONTOLÓGICAS
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui um dos maiores índices de envelhecimento do mundo, e é o país que lidera esse movimento demográfico na América Latina. Hoje em dia, cerca de 15% da população brasileira tem mais de 60 anos de idade. Relacionado ao aumento da expectativa de vida está o registro crescente de fraturas ósseas, com a incidência de episódios de quedas afetando, em média, 30% das pessoas idosas a cada ano. Essa taxa chama atenção, portanto, para a necessidade de fomentar o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes para essa problemática.

A tecnologia de scaffolds desenvolvida na UFC tem potencial para atuar nesse sentido, sendo aplicada no tratamento de pessoas com doenças degenerativas como osteoporose, hoje uma das principais causas de morbidade e mortalidade em idosos. Também pode ser usada para deficiências ósseas por traumas ou câncer ósseo, sendo implantados diretamente no local, por meio de molde personalizado ou mesmo incorporados a fármacos.
De acordo com as pesquisadoras, o tratamento se destaca dos atuais por mimetizar a porosidade natural do tecido ósseo, atuar como veículo de liberação de cálcio e superar as limitações de enxertos convencionais quanto à resposta imune e ao risco de rejeição. A equipe também considera promissoras as aplicações em âmbito veterinário e odontológico.
“A tecnologia tem grande potencial para ser adaptada à odontologia, especialmente na regeneração de tecido ósseo alveolar ou em casos de perda óssea associada à periodontite. A composição rica em cálcio e biocompatível favorece sua aplicação em reestruturação dentária. Embora o estudo atual tenha sido voltado para ossos, a extensão para a área odontológica é uma fronteira viável e desejada para estudos futuros. O uso veterinário é uma possibilidade promissora, considerando a semelhança estrutural e funcional entre tecidos ósseos humanos e de animais de médio e grande porte”, avalia Nágila Ricardo.
O estudo teve início em 2017, durante o doutorado da pesquisadora Luana de Morais Semião, sob orientação da professora Nágila Ricardo, e coorientação da professora Arcelina Cunha, tendo sido realizado no Laboratório de Polímeros e Inovação de Materiais da UFC. Assina ainda a patente a pesquisadora Ethanielda de Lima Coelho.
Fonte: professora Nágila Ricardo, Departamento de Química Orgânica e Inorgânica da UFC – email: naricard@ufc.br
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