O rompimento da barragem de Fundão, na cidade de Mariana, em Minas Gerais, ocorrido em 2015, ainda tem perguntas sem respostas. Considerado a pior tragédia ambiental da história do Brasil, o caso resultou na degradação do rio Doce, por onde fluíram cerca de 50 milhões de metros cúbicos de resíduos de minério de ferro até a chegada dos poluentes ao oceano. O impacto disso tem sido estudado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará.
Um dos problemas para determinar com clareza as consequências para o ambiente marinho da região é a falta de informações concretas sobre como era esse ambiente antes do desastre, o que dificulta até a tomada de decisões quanto a medidas de recuperação. Com pesquisa desenvolvida no Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR) e no Departamento de Biologia da UFC, houve, pela primeira vez, um diagnóstico da vida marinha anterior ao acidente.
A pesquisa foi feita a partir da coleta de amostras do ambiente marinho em 2010 e 2011. A princípio, o objetivo dessa coleta era fazer uma análise da biodiversidade da região, que na época era afetada por atividade pesqueira e pela extração de óleo e gás. O foco estava em organismos de pouca locomoção ou fixados no fundo do mar, portanto, vulneráveis a impactos de grande magnitude como o desastre de 2015.
Em artigo publicado na revista Marine Pollution Bulletin, os pesquisadores apontam que o local pode ter sido afetado por fatores como soterramento, entrada de contaminantes na cadeia alimentar, desenvolvimento rápido de acumulações de algas, elevado estresse na fisiologia dos animais (afetando a reprodução), bem como exposição a diversos poluentes e metais pesados.
“Realizamos a pesquisa para elaborar um diagnóstico da bacia do Espírito Santo devido às atividades de petróleo e gás. Porém, houve o colapso da barragem, e os resultados ganharam nova relevância para ajudar a detectar os impactos do acidente de mineração”, conta a Profª Helena Matthews Cascon, do Departamento de Biologia e uma das autoras do estudo.
O estudo levou em conta o ambiente raso (11 a 30 metros) e profundo (31 a 51 metros). A área marinha mais rasa, próxima à foz do rio Doce no mar, foi possivelmente a zona mais impactada pela descarga de lama tóxica, sofrendo aumento rápido de sedimentos, turbidez da água (diminuição da transparência) e contaminação de metais, como ferro, mercúrio, manganês e arsênio.
Entretanto, mesmo as áreas mais profundas, com maior diversidade de espécies, podem ter sido impactadas devido à dispersão da lama tóxica por correntes, ondas e marés. Após a tragédia, o revolvimento do fundo, causado por atividades pesqueiras e chuvas intensas na região, pode gerar nova entrada de contaminantes e aumento da turbidez.
“Uma parte dos organismos que encontramos se alimenta filtrando a água do mar. Dessa forma, as mudanças provocadas pelo acidente podem ocasionar a absorção de contaminantes e metais pesados por esses animais”, afirma Cristiane Barroso, pesquisadora do LABOMAR e coautora da pesquisa.
BIODIVERSIDADE
O estudo concluiu que a vida marinha na área era diversa, devido à ocorrência de diferentes tipos de ambientes no fundo do mar, como areia, lama, bancos de algas calcáreas e recifes tropicais. Nas áreas mais rasas, próximas à costa, a quantidade de animais se mostrou maior durante o inverno.
Por outro lado, a diversidade (variedade de tipos de animais) foi maior nas zonas mais profundas e distantes da costa. “Nós encontramos uma diversidade de vida marinha bastante relevante. Por exemplo, entre os crustáceos, é possível que tenhamos novas espécies, ainda não descritas pela ciência, que podem ter sido impactadas”, aborda o Prof. Luís Ernesto, também do LABOMAR.
Com a pesquisa, a expectativa é a de que haja uma nova compreensão sobre o que de fato mudou a partir do rompimento da barragem em Mariana. Essa tarefa torna-se mais fácil uma vez que haja estudos comparativos entre a situação anterior à tragédia e a situação atual da região, ainda sofrendo as consequências diretas do caso.
“Sugerimos comparar nossos resultados com aqueles publicados por outras universidades, organizações não governamentais e órgãos públicos que estão pesquisando na região do desastre ambiental. Isso pode gerar informações novas sobre os impactos no ambiente, bem como promover ações efetivas de recuperação ambiental”, aponta Marcelo Soares, professor do LABOMAR.
SAIBA MAIS
Leia o artigo (em inglês) publicado na Marine Pollution Bulletin
Fonte: Prof. Marcelo Soares, do LABOMAR – e-mail: marcelosoares@ufc.br