O tratamento de canal e a extração são procedimentos bastante consolidados na odontologia, mas recomendados quando não há outro recurso para solucionar o problema dentário encontrado no paciente. Já existem técnicas terapêuticas para lidar com tais casos, como a aplicação de resinas, mas elas geralmente alcançam baixos índices de sucesso e ainda desencadeiam diversos efeitos colaterais. Entretanto, a Universidade Federal do Ceará acaba de garantir a carta patente de um invento que pode representar uma nova alternativa, permanente, mais acessível e menos invasiva, a quem precisa tratar danos graves em seus dentes.
A invenção é também uma proteção resinosa, mas que conta com características diferenciadas que asseguram melhor performance, equalizando desvantagens observadas em outros tipos de resina comercializadas, como necrose, formação irregular da dentina (camada de material que se encontra imediatamente abaixo do esmalte do dente) e toxicidade nas células dentárias.
Além de solucionar esses e outros problemas associados, o novo material é inovador por promover um efeito anti-inflamatório sobre a polpa dentária (tecido mole onde estão os nervos e os vasos sanguíneos), por ser capaz de induzir a formação de um novo tecido de dentina e ainda por manter propriedades autoadesivas.
Para alcançar tudo isso, os pesquisadores recorreram à nanotecnologia. “A ideia surgiu com a obtenção, em laboratório, dos principais componentes inorgânicos dos ossos e dos dentes na forma nanoparticulada e sua capacidade de transportar fármacos”, explica o Prof. Pierre Fechine, do Programa de Pós-Graduação em Química (PGQUIM) da UFC. Ele supervisionou o projeto de doutorado de Elayne Valério Carvalho no programa, que culminou no desenvolvimento do referido produto.
O estudo iniciou em 2014 e contou com a parceria do Prof. Victor Pinheiro Feitosa, da Faculdade de Odontologia Paulo Picanço, que na época realizava seu pós-doutorado em Dentística e Materiais Dentários na UFC. “A parceria com a equipe da odontologia foi fundamental para formulação da nova resina restauradora e realização dos testes in vivo para a segurança de sua utilização”, esclarece o Prof. Victor Feitosa.
A técnica consiste na aplicação da resina diretamente sobre a polpa do dente, exposta em decorrência da remoção de lesões de cáries profundas ou traumatismos dentários. Em seguida, aplica-se luz para induzir processos de endurecimento da resina e finalização do procedimento.
Como o material adesivo possui nanopartículas com propriedades bioativas (sinvastatina e glutationa), é possível restaurar de forma definitiva os dentes danificados com exposição da polpa, sem sintomas ou alterações nas características desse tecido. Além disso, o uso de fármacos integrados a essas partículas faz com que seja gerada pouca ou nenhuma inflamação na polpa.
“Dados clínicos mostraram que a nova resina promoveu mineralização da dentina, ou seja, novas camadas de tecido dentinário foram criadas devido à inserção de nanopartículas bioativas e à atuação de fármacos específicos na composição. Para ficar mais claro, a nova resina fornece as condições ideais para que as células do dente possam regenerá-lo, o que é um processo natural, mas difícil de acontecer. Nessa situação, o tempo de vida do dente poderia ser prolongado, mantendo o aspecto saudável”, esclarece o Prof. Victor Feitosa.
Segundo ele, como as técnicas atuais têm baixa eficácia, o tratamento em situações de maior dano ao dente acaba sendo o canal, que é um procedimento de alto custo, ou mesmo a extração. “A resina da nossa invenção possui o mesmo custo baixo das outras, só que, usando nanopartículas e fármacos com baixo custo, ela leva a tratamentos com mais sucesso”, assevera. A composição já foi utilizada em alguns pacientes e mostrou, segundo os pesquisadores, “muito bons resultados”.
Além desse uso, a resina criada na UFC também pode ser aplicada de forma eficiente para fixar os braquetes dos aparelhos ortodônticos e em procedimentos de restauração, no caso de pacientes que tenham um dente quebrado ou com sua estrutura perdida devido a uma cárie.
PIONEIRISMO E COMERCIALIZAÇÃO
De acordo com o texto de depósito da patente, “não há atualmente nenhuma tecnologia, seja em artigos, seja em bases de patente, cuja aplicação, propriedades bioativas e auto- adesivas sejam as mesmas da invenção”.
“Nossa expectativa é que possamos formalizar algum tipo de parceria para a comercialização do produto, pois agora temos 20 anos de exclusividade para explorar o invento no mercado”, aponta o Prof. Pierre Fechine, destacando a disponibilidade de dialogar com empresários motivados a investir no novo produto.
A carta patente, a 24ª obtida pela Universidade, foi expedida neste mês de janeiro pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), com titularidade exclusiva da UFC. É esse documento que garante ao inventor o direito de exploração do produto, podendo impedir terceiros de, sem o seu consentimento, produzi-lo, usá-lo, colocá-lo à venda, vendê-lo ou importá-lo. Também lhe permite conceder a licença de sua patente a terceiros, caso seja de seu interesse.
Além de Elayne Carvalho, Pierre Fechine e Victor Feitosa, a carta patente ainda registra como inventora Julianne Coelho da Silva, doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Odontologia da UFC.
Fontes: Prof. Pierre Fechine, do Programa de Pós-Graduação em Química (PGQUIM) ─ e-mail: fechine@ufc.br; Prof. Victor Feitosa ─ e-mail: victorpfeitosa@hotmail.com