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Ceará pode ter uma das maiores ocorrências de cobalto não exploradas no Brasil, matéria-prima para indústria de carros elétricos

Depósito localizado no município de Ocara pode chamar a atenção do mercado mundial de carros elétricos, já que cobalto é mineral com grande risco de esgotamento

Matéria-prima com grande risco de esgotamento, o cobalto está cada vez mais demandado no mundo por ser essencial à fabricação de baterias de carros elétricos, item em alta na indústria automobilística. Estudo publicado recentemente por pesquisadores da UFC revela que o Brasil possui um grande potencial ainda não explorado desse minério, e o Ceará poderá ser o principal beneficiado com esse crescente mercado.

Os pesquisadores utilizaram uma técnica estatística chamada Análise de Componentes Principais (PCA) para identificar padrões de enriquecimento de cobalto em depósitos de manganês do período paleoproterozóico (que data de 2,2 bilhões a 1,6 bilhão de anos atrás). Com isso, descobriram que grandes depósitos de manganês no Brasil e na África são também fontes de cobalto. Em território brasileiro, foram identificados cinco depósitos, sendo o de Lagoa do Riacho, localizado no município cearense de Ocara, o que apresentou as maiores concentrações médias do minério.

“O depósito de Lagoa do Riacho mostrou concentrações que merecem atenção do ponto de vista exploratório”, aponta o professor Felipe Holanda dos Santos, do Departamento de Geologia da UFC e um dos responsáveis pelo estudo. “Embora ainda sejam necessários estudos de viabilidade técnica e econômica, os resultados são promissores e colocam o Estado do Ceará em posição estratégica para futuras iniciativas voltadas à cadeia de produção de baterias e tecnologias limpas”, complementa.

Conforme a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), mais de 17 milhões de carros elétricos foram vendidos no mundo em 2024, um incremento de 25% em relação ao ano anterior. Já no Brasil, de acordo com a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), o emplacamento de veículos eletrificados subiu 89% em relação a 2023.

Pesquisador olha lâmina em microscópio e imagem é reproduzida em telão
Os pesquisadores identificaram padrões de enriquecimento de cobalto em depósitos manganês do período paleoproterozóico, que data de 2,2 bilhões a 1,6 bilhão de anos atrás (Foto: Viktor Braga/UFC)

Na contramão dessa pulsante demanda, o cobalto é hoje considerado um “mineral crítico”, por ser economicamente essencial, mas possuir um alto risco de esgotamento. Hoje, a República Democrática do Congo (RDC) é a maior produtora mundial de cobalto e detém mais de 50% das reservas globais do mineral, mas a mineração de cobalto no país africano vem sendo questionada por organismos internacionais por usar trabalhadores em condiçoes análogas à escravidão, além de trabalho infantil. No Brasil, a produção de cobalto está associada à extração de níquel. Contudo, devido à baixa cotação do níquel no mercado, a atividade mineradora nacional se encontra paralisada desde 2016.

“Nosso estudo reforça o potencial geológico do Brasil para fornecer matérias-primas estratégicas ligadas à transição energética. Identificamos evidências de que o cobalto pode ser enriquecido em certos tipos de rochas com manganês, o que abre novas possibilidades de aproveitamento em antigos depósitos minerais, já conhecidos”, reforça o professor.

Evilarde Carvalho Uchôa Filho, doutorando em Geologia pela UFC sob orientação do professor Felipe Holanda, complementa: “Nosso estudo sugere que o cobalto pode ser explorado como um subproduto da mineração de manganês em depósitos antigos. Isso pode ser uma alternativa promissora, já que não depende da mineração de níquel, que enfrenta dificuldades atualmente”, vislumbra o pesquisador, que também é autor do estudo.

De acordo com ele, o crescimento do mercado de carros elétricos pode incentivar o investimento em novas formas de exploração, como a proposta no estudo. “Além de aproveitar os depósitos de manganês já existentes, a rota que propomos ainda evita a dependência de fontes externas”, acrescenta.

Pesquisadores em laboratório mostram minério estudado
O professor Felipe Holanda dos Santos (esq.), do Departamento de Geologia da UFC, e seu orientando de doutorado, Evilarde Carvalho Uchôa Filho, são responsáveis pela pesquisa (Foto: Viktor Braga/UFC)

Evilarde pondera que ainda são necessários mais estudos econômicos para confirmar a viabilidade dessa exploração, mas é otimista: “Os resultados iniciais indicam que pode ser viável, principalmente porque o cobalto já está presente nas rochas de manganês e poderia ser aproveitado no mesmo processo de extração, com baixo custo adicional”.

O estudo realizado contribui nesse processo ao identificar quais tipos de rochas e quais partes dos depósitos têm mais potencial de concentração de cobalto. Os pesquisadores reforçam que essas informações favorecem um direcionamento mais eficiente da exploração, economizando tempo e recursos.

ESTUDO INOVADOR

Até então, o cobalto associado ao manganês era mais estudado em crostas oceânicas no fundo do mar. O estudo desenvolvido na UFC mostra que depósitos antigos em terra firme, como os do Brasil, também podem ter concentrações interessantes de cobalto. O achado abre novas possibilidades de exploração em áreas já conhecidas pela mineração de manganês.

“Conseguimos mostrar, de forma inédita, que certos tipos de rochas nesses depósitos tendem a concentrar mais cobalto, o que ajuda a direcionar futuras explorações”, comemora Evilarde. Os resultados do estudo foram publicados em maio na revista internacional Geoscience Frontiers.

Para chegar aos resultados, os pesquisadores analisaram dados de amostras de rochas de oito depósitos de manganês antigos. No Brasil, além de Lagoa do Riacho, foram estudados a Província Borborema, também localizada no Nordeste; o Morro da Mina, em Minas Gerais; a Serra do Navio, no Amapá; e os depósitos de Azul e Buritirama, ambos no Pará. As três áreas em território africano se localizam nos países de Congo, Gabão e Gana.

Foto de pessoa segurando uma rocha e apontando os pontos de presença de cobalto
Estudo analisou oito depósitos, sendo cinco no Brasil e três na África. Entre os depósitos brasileiros, Lagoa do Riacho, no Ceará, foi o que apresentou as maiores concentrações médias de cobalto (Foto: Viktor Braga/UFC)

“Escolhemos esses locais devido aos processos de formação e época de formação similares, com mais de 2 bilhões de anos, além de representarem importantes reservas de manganês”, explica o pesquisador.

FORMAÇÃO DO COBALTO

De acordo com o estudo, o cobalto foi “capturado” junto ao manganês durante processos naturais no fundo do mar antigo há 2 bilhões de anos. Depois, quando essas rochas se transformaram por processos geológicos (elevando a continentes o que antes era mar), o cobalto se concentrou em certos tipos de rochas ricas em carbonato e silicatos de manganês.

A pesquisa começou em 2021, durante o doutorado do hoje professor Felipe Holanda, e vem sendo continuado por Evilarde Uchôa. Durante esse período, foram realizadas as etapas de análises laboratoriais e revisão de dados geológicos. Evilarde destaca que a pesquisa ainda possui várias etapas a serem realizadas. Entre elas, destacam-se estudos mais detalhados dos processos de enriquecimento de cobalto no depósito Lagoa do Riacho.

Além do professor Felipe Holanda e de Evilarde Uchôa, o estudo também é assinado por Douglas Teixeira Martins, do Instituto Federal do Piauí (IFPI), Wagner da Silva Amaral, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e José Alberto Rodrigues do Vale, do Serviço Geológico do Brasil.

Fontes: Professor Felipe Holanda dos Santos, do Departamento de Geologia da UFC – E-mail: felipeholanda@ufc.br / Pesquisador Evilarde Uchôa – E-mail: evilarde.uchoa@sgb.gov.br

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Sérgio de Sousa 23 de julho de 2025

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