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Anti-inflamatórios são capazes de reduzir sintomas em quadros de ansiedade e depressão resistente, indica pesquisa da UFC

Conduzido em animais, o estudo ainda investigou a relação entre processos inflamatórios de origem bacteriana e desenvolvimento de transtornos de humor

Tristeza, apatia, cansaço, perda de interesse em atividades do dia a dia são alguns dos sintomas da depressão, transtorno que afeta cerca de 5% da população brasileira. Atualmente, o Brasil é o país com mais casos da doença em toda a América Latina, como aponta o relatório “Depressão e outros transtornos mentais”, da Organização Mundial da Saúde (OMS). Atentos a essa questão, pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) estão investigando novas possibilidades de tratamento para uma condição presente em torno de 30% desses pacientes: a depressão refratária ou resistente, caracterizada pela presença de sintomas crônicos e não responsividade aos medicamentos.

De manejo e tratamento complexo, a depressão refratária ainda tem suas causas estudadas pelos cientistas. Uma das hipóteses que vem se fortalecendo nos últimos anos é a relação entre o surgimento do transtorno de humor como decorrência de uma inflamação crônica no paciente, tendo em vista que essas pessoas costumam apresentar marcadores inflamatórios aumentados. Foi partindo dessa premissa que os cientistas do Laboratório de Neuropsicofarmacologia, vinculado à Faculdade de Medicina da UFC, tiveram a ideia de verificar o desempenho de anti-inflamatórios para o tratamento de depressão refratária.

Pesquisadores posam em laboratório
A pesquisa está sendo desenvolvida pelo doutorando Daniel Moreira, sob orientação da Profª Cléa Florenço, no Laboratório de Neuropsicofarmacologia da UFC (Foto: Ribamar Neto / UFC)

“Sempre estudamos as teorias da depressão e sabemos que existem muitos medicamentos antidepressivos excelentes. Mesmo assim procuramos potenciais novas farmacoterapias. Considerando toda a teoria inflamatória da depressão, pensamos: ‘por que não tratar com anti-inflamatórios altamente seletivos em baixas doses e observar se eles, por si só, melhoram os sintomas depressivos e ansiosos? E como isso acontece?’”, comenta o doutorando Daniel Moreira, que integra a pesquisa.

Os medicamentos testados foram dois anti-inflamatórios amplamente comercializados no Brasil – celecoxibe e etoricoxibe – utilizados no tratamento de eventos de inflamação aguda e em algumas condições crônicas, como artrite reumatoide, osteoartrite e espondilite anquilosante. Os fármacos são da classe dos anti-inflamatórios não hormonais e atuam fazendo a inibição seletiva da ciclooxigenase-2 (COX-2), enzima relacionada aos fenômenos da inflamação e que vem sendo associada, na literatura médica, a doenças neurodegenerativas e transtornos de humor.

EXPERIMENTOS

Os experimentos neuroquímicos foram realizados no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da UFC (NPDM) e centraram-se na avaliação dos efeitos dos dois medicamentos no sistema nervoso central. Em uma primeira etapa, foram induzidas alterações comportamentais e inflamatórias em camundongos por meio da exposição a uma molécula presente na bactéria Escherichia coli. Organismo encontrado no trato intestinal de humanos e de muitos animais, a Escherichia coli pode ser detectada ainda em ambientes contaminados, como água e solo, especialmente quando esses locais entram em contato com fezes. Algumas cepas dessa bactéria até podem ser inofensivas e fazer parte da microbiota intestinal normal, enquanto outras podem causar doenças.

Essa molécula complexa da Escherichia coli é chamada de lipopolissacarídeo (LPS). Ao ser reconhecida pelas células do corpo, pode desencadear respostas inflamatórias potentes e, com isso, causar prejuízos ao sistema nervoso. Por esse motivo, explica a coordenadora do Laboratório de Neuropsicofarmacologia, Profª Cléa Florenço, a LPS é um importante agente indutor de inflamação utilizado no estudo de processos inflamatórios e em pesquisas de neurofarmacologia.

Detalhe de atividade de pesquisa em bancada
No estudo, os pesquisadores analisam a relação entre processos inflamatórios e depressão (Foto: Ribamar Neto / UFC)

“Modelos experimentais de depressão, como a administração de LPS em animais, provocam um estado inflamatório que imita sintomas comportamentais semelhantes à depressão, como anedonia (perda da capacidade de sentir prazer nas atividades cotidianas) e redução da motivação. Esses modelos ajudam a validar a ligação entre inflamação e sintomas depressivos e são excelentes para se testar medicamentos”, avalia a docente.

Dentro dessa investigação sobre a influência dos processos inflamatórios na depressão, os pesquisadores levaram ainda em consideração a possibilidade de distúrbios gastrointestinais como gatilhos para o surgimento de transtornos de humor. “Interessante que nós, seres humanos, podemos sim ser expostos ao LPS em diversas situações, como em infecções ou contato com bactérias de forma recorrente. Outra situação bastante interessante são as alterações na microbiota intestinal, que favorecem a passagem de bactérias do trato gastrointestinal para a circulação sistêmica, um fenômeno que a gente chama de translocação bacteriana através da passagem desses micro-organismos pela barreira intestinal, que podem levar o LPS a entrar em contato com nossas células imunes circulantes e desencadear respostas inflamatórias”, detalha Cléa Florenço.

TRATAMENTO

Uma vez presentes os comportamentos depressivos e ansiosos nos animais, eles foram tratados oralmente, por cinco dias, com pequenas doses de celecoxibe e etoricoxibe, para que fossem diminuídas as possibilidades de ocorrência de efeitos colaterais cardiovasculares. Ao final desse período, os pesquisadores analisaram o hipocampo, o córtex pré-frontal e o estriado do cérebro dos camundongos para avaliação de parâmetros e quantificação dos marcadores inflamatórios. Os resultados foram promissores: os medicamentos foram capazes de reverter a maioria das alterações comportamentais, reduziram os marcadores inflamatórios e os de estresse oxidativo em diferentes partes do cérebro e potencializaram o sistema de defesa do órgão, aumentando as defesas antioxidantes das células nervosas.

Constatada a eficácia nos testes em animais, abre-se uma perspectiva para que, no futuro, substâncias já existentes no mercado, como os anti-inflamatórios celecoxibe e etoricoxibe, possam ser utilizadas no tratamento da depressão refratária. Ressalta a Profª Clea Florenço que o redirecionamento de fármacos constitui uma perspectiva inovadora em farmacologia, uma vez que resulta em economia financeira, aceleração do tempo de desenvolvimento e menor necessidade de testes de toxicidade.

“Conseguimos, a partir de nosso estudo, mostrar correlações importantes, particularmente envolvendo a ação do celecoxibe na atenuação de comportamentos semelhantes à depressão, por meio da melhora das defesas antioxidantes. Também a potencial ação antidepressiva do etoricoxibe, na supressão de citocinas pró-inflamatórias em nível do sistema nervoso central. O conjunto de resultados promissores obtidos, o fato de trabalhar com medicamentos que já são comercializados e explorar a hipótese inflamatória da depressão trazem o caráter inovador de nosso estudo”, afirma a pesquisadora.

ETAPAS

O estudo foi baseado na dissertação de mestrado do farmacêutico Daniel Moreira, que segue as investigações agora no doutorado. Nesta etapa, a pesquisa centra-se na utilização do celecoxibe em modelos de cultura de células para compreensão dos mecanismos envolvidos. Apesar dos resultados positivos, os pesquisadores enfatizam que os testes foram conduzidos em camundongos, não sendo, neste momento, possível mensurar o uso ou dosagem em pacientes com transtornos de humor.

Doutorando macerando medicamentos
O farmacêutico Daniel Moreira destaca que ainda não é possível mensurar dosagens dos medicamentos para pacientes com transtornos de humor (Foto: Ribamar Neto / UFC)

“É sempre relevante lembrar que nossos estudos foram conduzidos em modelos animais, o que significa que ainda não podemos extrapolar essas indicações para seres humanos. Os medicamentos celecoxibe e etoricoxibe devem ser utilizados apenas sob prescrição médica ou odontológica e vendidos sob retenção de receita nas farmácias comerciais pelos seus potenciais riscos cardiovasculares e com objetivo de manter seu uso racional”, alerta o estudante de doutorado e farmacêutico Daniel Moreira. Publicado em julho deste ano, a pesquisa pode ser acessada na íntegra na revista Pharmacology Biochemistry and Behavior.

Fontes: Profª Cléa Florenço, coordenadora do Laboratório de Neuropsicofarmacologia (FAMED/UFC) – e-mail:clea@ufc.br / Daniel Moreira, doutorando em Farmacologia – e-mail: ddaniel.mmoreira@gmail.com

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Cristiane Pimentel 30 de outubro de 2024