Um trabalho do Grupo de Pesquisa Hidrossedimentológica do Semiárido (Hidrosed), da Universidade Federal do Ceará, destrinchou os impactos da evaporação nos açudes cearenses. A partir de imagens de satélites, os pesquisadores estimaram a perda dos açudes para a atmosfera e o impacto da vegetação nesse processo. O grupo, que faz parte do programa de Pós-Graduação em Engenharia Agrícola, realizou a pesquisa em parceria com a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará (COGERH).
O estudo analisou oito reservatórios cearenses. Seis estão em regiões subúmidas: o sistema Pacoti-Riachão-Gavião; o Santo Anastácio; o Tijuquinha e o Pacajus. Também foram analisados dois açudes no semiárido cearense: Marengo e Pedra Branca, ambos submetidos a altas taxas de evaporação na maior parte do ano.
Por meio de imagens dos satélites registradas ao longo de 36 anos, os pesquisadores estimaram a evaporação diária dos oito açudes. Considerando um consumo de 200 litros de água por habitante, essa evaporação seria suficiente para abastecer uma cidade com 2,2 milhões de habitantes.
A equipe do Hidrosed fez uma extrapolação estatística para os mais de 20 mil açudes do Estado. Considerando critérios bem conservadores para superfície ocupada e taxa de evaporação, os reservatórios do Estado perdem cerca de 2,4 bilhões de litros por dia para a atmosfera. Isso seria suficiente, por exemplo, para abastecer 12 milhões de habitantes, mais do que toda a população cearense.
COMPREENDENDO A EVAPORAÇÃO
A evaporação é um processo natural do ciclo hidrológico e não há como impedir que ocorra. Os pesquisadores, no entanto, queriam entender os fatores que podem intensificá-la ou atenuá-la. “Começamos com uma pergunta simples: A evaporação é uniforme no espelho d’água de um açude? Ou seja, em todos os pontos dos açudes temos uma mesma taxa de evaporação? Por incrível que pareça, trabalhos mais robustos sobre esta análise ainda são escassos”, lembra o Prof. Carlos Alexandre Gomes Costa, um dos autores do artigo.
Como resultado, o estudo demonstrou que há uma grande variação da evaporação no espelho da água, sendo mais intensa nas margens e áreas próximas às barragens; e mais suave nas áreas mais profundas do açude (geralmente, o centro). A amplitude dessa diferença chega a 30%.
“Nas partes mais rasas, a temperatura tem uma influência maior do que nas profundas. Geralmente, no centro do açude é o local mais profundo. Ali, há uma camada superficial de 15 a 30 centímetros com água mais aquecida. Na parte rasa, é como se fosse uma ‘panela em banho maria’, com maior temperatura da água e maior evaporação”, explica o Prof. Carlos Alexandre.
Os pesquisadores descobriram ainda outra variável: a vegetação. Áreas de margens com mata ciliar (também chamada de vegetação ripária) bem preservada apresentam menor evaporação (entre 18% e 30%) do que a média do açude.
A primeira explicação para essa diferença é o sombreamento e, consequentemente, a redução de temperatura promovida pela vegetação sobre a margem. Mas esse não é o único motivo. “A mata ripária funciona também como barreira do vento. Isso é importante porque os fatores aerodinâmico e energético são os principais na evaporação. Como é o processo? A água evapora e o vento desloca e transfere o vapor”, complementa o Prof. Carlos Alexandre
SITUAÇÃO DA VEGETAÇÃO
No trabalho, os pesquisadores também analisaram a densidade da vegetação dos oito açudes, tanto no primeiro como no segundo semestre (época chuvosa e seca). O resultado aponta a necessidade de recuperação da mata ciliar.
Na época chuvosa, 70% das áreas possuem vegetação com densidade intermediária e 30% com vegetação esparsa. Nenhum açude apresentou vegetação densa no seu entorno. No período seco, a situação piora um pouco: 57% da área apresenta vegetação intermediária, e o restante, esparsa. “Todos os açudes que avaliamos têm uma deficiência na preservação da mata ciliar”, resume o Prof. Carlos Alexandre.
O pesquisador lembra que a mata ciliar nem sempre está próxima do corpo hídrico. “Durante ou logo após o período chuvoso, os açudes ficam no maior nível do ano. Com a evaporação, vão perdendo volume continuamente. A água diminui, mas a vegetação não se movimenta”, lembra.
A equipe ainda não sabe qual seria o impacto se a vegetação dos açudes cearenses estivesse totalmente preservada ou totalmente comprometida. Esse ponto deve ser abordado em futuras pesquisas do Hidrosed, de modo a fornecer elementos para a elaboração de políticas públicas.
O artigo “Evaporation in brazilian dryland reservoirs: spatial variability and impact of riparian vegetation” (“Evaporação em reservatórios em regiões secas no Brasil: variabilidade espacial e impacto da vegetação ripária”) foi publicado recentemente na revista científica Science of Total Environment. A equipe utilizou dados de sensoriamento remoto de dois satélites Landsat. O Landsat é uma rede de satélites norte-americanos destinada ao monitoramento de recursos naturais do planeta. Ele passa no Ceará uma vez a cada 16 dias, registrando imagens.
“O primeiro motivo é que esse satélite possui uma banda termal (uso de sinal infravermelho para medir temperatura), que nos permite fazer uma estimativa da evaporação. O segundo é que ele produziu imagens (dos açudes cearenses) desde 1985, o que possibilitou uma grande quantidade de dados para avaliação final”, relata o pesquisador Ítalo Sampaio Rodrigues, autor principal do artigo.
O trabalho foi desenvolvido no âmbito do Programa Institucional de Internacionalização (CAPES-PRINT), que estuda grandes temas contemporâneos. A equipe do Hidrosed pesquisa cenários de mudanças climáticas na vegetação, recursos hídricos e solos.
Fonte: Prof. Carlos Alexandre Gomes Costa – e-mail: alexandre.dena@ufc.br