Um dos problemas que constantemente afetam a agricultura é a presença de pragas, que, se não controladas, podem prejudicar toda a produção. É em razão disso que se dá a utilização de produtos químicos, como os inseticidas. Mas uma alternativa menos prejudicial ao ambiente e ao próprio produtor é o controle biológico, que usa insetos no combate aos próprios insetos, como é o caso da utilização de vespas conhecidas por Trichogramma.
Essas vespas, que têm cerca de um milímetro de comprimento e quase passam despercebidas a olho nu, funcionam como parasitoides que prejudicam a reprodução das pragas presentes em diversos tipos de plantações.
O ciclo de vida do Trichogramma consiste em hospedar seus próprios ovos no interior de ovos de outros insetos, alimentando-se da matéria orgânica e impedindo que a praga nasça. Então, o ovo hospedado vira pupa e, depois de 10 dias, eclode como vespa. Uma vez livre, o Trichogramma segue seu instinto natural de procurar novos hospedeiros, em um ciclo que só se encerra quando não houver mais alimento nas proximidades, o que também provoca sua morte.
Conhecidos no mundo todo pelo seu potencial biológico, esses parasitoides são estudados no Laboratório de Entomologia Aplicada (LEA), do Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal do Ceará. Foi a partir da pesquisa desenvolvida no LEA, sob a coordenação do Prof. Patrik Pastori, que nasceu a startup IN Soluções Biológicas, dedicada a levar a técnica de controle por meio do Trichogramma aos produtores cearenses.
Desenvolvida pelos estudantes Cristiane Coutinho, Ruan Oliveira e Mariane Barbosa – todos do Programa de Pós-Graduação em Agronomia: Fitotecnia –, a empresa tem como principal diferencial a comercialização de vespas oriundas do semiárido e adaptadas à agricultura cearense.
Hoje, produtores cearenses que utilizam o Trichogramma precisam “importá-lo” de estados das regiões Sul e Sudeste, o que traz problemas não apenas de logística, mas pode também afetar a eficiência biológica, uma vez que o inseto “importado” nem sempre consegue realizar sua função da melhor forma por conta das condições ambientais, especialmente as de temperatura.
O Prof. Patrik explica que os insetos, diferentemente dos seres humanos, não possuem capacidade de regular a temperatura do próprio corpo, mas se desenvolvem em função do ambiente. “Por isso surgiu a ideia de montar uma empresa que possa atender a região em que estamos inseridos”, conta.
O Trichogramma reproduzido nas salas do Departamento é coletado na região da Serra da Ibiapaba, em municípios como Guaraciaba do Norte, Ubajara, São Benedito e Croatá. Em uma sala contígua do laboratório, pragas comuns em armazéns e na agricultura local, como a mariposa Anagasta, também são criadas, para garantir que as pequenas vespas terão ovos a serem usados na reprodução, em um ciclo sustentável que garante a continuidade de ambos os tipos de insetos.
MÉTODO
Os ovos, antes de serem parasitados, são colados em pequenas cartelas em quantidade aproximada de cinco mil unidades. Depois são depositados em um pequeno tubo, em que o Trichogramma pode fazer a oviposição. As cartelas são comercializadas de acordo com a necessidade de cada produtor e cultura implantada. Uma área com extensão de 1 hectare de melão, por exemplo, necessita de cerca de 100 mil vespas, ou seja, 20 cartelas.
Outro aspecto explorado pelo grupo surge na hora de dispor o material na plantação. Diferentemente do modo como comercializam outras empresas, a ideia da startup é utilizar pequenos sacos biodegradáveis de TNT para inserir as cartelas com ovos parasitados, suspendendo-os sobre os galhos das plantas.
“A nossa ideia é entregar o produto na mão do agricultor e oferecer assistência técnica: mostrando como usar e acompanhando a eficiência”, diz a estudante Cristiane Coutinho, uma das fundadoras da empresa. “Muitos produtores ainda não têm acesso a essa informação (sobre controle biológico). Levamos isso a eles para mostrar que é um produto eficiente”, ressalta Ruan Oliveira.
INOFENSIVIDADE
Uma dúvida recorrente sobre o uso do Trichogramma é quanto a possibilidade de a própria vespa se tornar uma praga para a plantação. Os pesquisadores, porém, garantem que o parasitoide procura apenas ovos de hospedeiros – ou seja, das pragas – e nunca prejudica a lavoura. “Um inseto que se alimenta de inseto vai sempre se alimentar de inseto. Ele não vai buscar plantas”, certifica o Prof. Patrik.
O controle biológico pode ainda vir acompanhado de outras técnicas de cuidado agrícola, inclusive a utilização de produtos químicos. Mariane Barbosa explica que o uso de inseticidas químicos pode funcionar de forma seletiva, agredindo apenas as pragas e livrando as vespas, aumentando a eficiência do controle.
Uma vez estabelecida a comercialização do Trichogramma, a equipe espera continuar pesquisando formas de auxiliar os agricultores no combate às pragas por meio de insetos que ajam de modo similar ao da vespa, gerando novas ferramentas sustentáveis. “Existem produtos e tecnologias desenvolvidos na área acadêmica esperando alguém chegar e levá-los para o produtor”, conta Ruan. “Precisamos transferi-los da Universidade para o campo, gerando sustentabilidade”, finaliza.
Fonte: Prof. Patrik Pastori, coordenador do Laboratório de Entomologia Aplicada (LEA): 3366.9680