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UFC e Embrapa desenvolvem aplicativo que usa inteligência artificial para controle de verminose em caprinos e ovinos

Batizada StopVerme, a tecnologia permite identificar presença de anemia nos animais a partir da análise de mucosa ocular, e tem facilitado o trabalho de pequenos produtores no estado

Entre os desafios enfrentados pelo setor da pecuária no Brasil, o controle parasitário é um dos mais complexos. Silenciosas, as verminoses nem sempre causam sintomas visíveis e, por isso, são frequentemente subestimadas por produtores. O resultado é um impacto significativo na cadeia, com prejuízos de até 7 bilhões de dólares ao ano, segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Principal atividade pecuária no Nordeste, a caprinovinocultura é fundamental para a economia do campo na região; ao mesmo tempo, trata-se da cultura mais atingida pelo problema das verminoses. Cabras e ovelhas são espécies mais suscetíveis a essas doenças devido a uma combinação de fatores, entre eles a genética: comparadas a outros animais, elas dispõem de menos defesas naturais contra parasitas gastrointestinais.

O comportamento alimentar é outro fator importante. Fezes de animais infectados contêm ovos que se espalham mais facilmente em pastos baixos, compostos por gramíneas (opção indicada para ovinos e caprinos). Dos ovos eclodem as larvas, que contaminam o solo e a vegetação e são ingeridas pelos animais, reiniciando o ciclo.

Disponível para sistema Android, o aplicativo atualiza o método Famacha, eliminando a necessidade do cartão-guia ilustrativo e também possíveis erros de interpretação de quem realiza a verificação das mucosas dos animais. (Foto: acervo pessoal)

Frente a esse cenário, o professor Iális Cavalcante, da Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com a Embrapa, idealizou um aplicativo que usa inteligência artificial para detectar anemia em animais com verminose – principal sintoma sobretudo de infecções causadas pela espécie Haemonchus contortus, parasita de maior incidência em rebanhos de pequenos ruminantes no Brasil.

Hematófago, esse verme se alimenta do sangue do hospedeiro, que, por conta da anemia, começa a apresentar palidez nas mucosas ocular e gengival. A observação desse sinal é a base do principal método de controle de verminoses utilizado na caprinovinocultura do país, chamado Famacha. Em vez da administração preventiva ou indiscriminada do vermífugo, que frequentemente leva ao desenvolvimento de parasitas resistentes à medicação, o produtor identifica quais animais estão com maior nível de infecção para receberem tratamento – a presença dos vermes, por si só, nem sempre implica sinais clínicos.

A identificação é feita com o auxílio de um cartão-guia ilustrativo, que mostra cinco gradações possíveis de cor para as mucosas – do pálido extremo ao vermelho vivo. Ao utilizar a inteligência artificial para analisar essa coloração em cada animal e indicar se ele precisa receber vermífugo, o aplicativo StopVerme resolve dois problemas: a baixa disponibilidade do cartão Famacha no Brasil e possíveis erros de interpretação causados pela subjetividade do manejador. O acesso ao cartão tem sido cada vez mais difícil: em todo o país há apenas um fornecedor autorizado a distribuí-lo, e sua aquisição é autorizada somente após treinamento dos manejadores.

DESENVOLVIMENTO

Na construção de um modelo de aprendizagem para o aplicativo, as equipes envolvidas no projeto fotografaram as mucosas oculares e coletaram amostras de sangue de animais da área de produção da Embrapa Caprinos e Ovinos. No estágio seguinte, as análises da inteligência artificial foram comparadas com os resultados dos exames de sangue.

“Ao longo dos anos, a equipe desenvolveu várias propostas de metodologia para a análise mais eficiente dessas imagens. Demandou-se muito esforço, envolvendo trabalhos de conclusão de curso e algumas dissertações relacionadas ao tema”, recorda Iális Cavalcante, coordenador do projeto, professor do curso de Engenharia de Computação e do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica e de Computação (PPGEEC) do Campus de Sobral.

A ideia surgiu ainda em 2018, quando Iális foi apresentado ao pesquisador Selmo Alves, da Embrapa Caprinos e Ovinos, após uma rodada de apresentação de pesquisas da UFC à Rede de Núcleo de Inovação Tecnológica do Ceará (Redenit-CE). “Ele relatou que tinha interesse em uma tecnologia mais prática e precisa do que o método baseado no cartão Famacha, sobretudo para pequenos produtores da região, ligados à agricultura familiar”, explica o docente.

No acordo de cooperação entre as instituições, a Embrapa ficou responsável pela parte dos testes do aplicativo, em animais da sua própria área de produção de ovinos, compartilhando seus equipamentos e recursos para coletas e análises de amostras. Também foram utilizados animais de pequenos produtores cadastrados no Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e em programas da prefeitura municipal de Sobral.

Nesse período a solução foi cadastrada como ativo digital de inovação na Embrapa e hoje encontra-se no nível 8, de um total de nove, da Escala TRL (Technology Readiness Levels, em inglês), caracterizado como sistema completo, testado, qualificado e demonstrado. Disponível para sistema operacional Android, o aplicativo pode ser baixado gratuitamente na Google Play. Em menos de 20 dias, desde o lançamento, já foram feitos mais de 500 downloads.

“Durante o período de testes, ao longo das escalas TRL de maturidade, levávamos nossos celulares para serem usados pelos produtores. Depois passamos a enviar o arquivo de instalação para os técnicos que acompanhavam as visitas”, lembra Iális. “A usabilidade é simples e foi bem percebida. Fizemos testes para confirmar a percepção das funcionalidades e seus níveis de eficácia”, explica o docente.

Um exemplo de adaptação importante foi quando a equipe verificou que produtores com diferentes níveis de analfabetismo permaneciam tendo dificuldade de usabilidade. “Então adotamos ícones específicos e alterações nas cores de fundo de tela para esses casos. Optamos por tons de verde para indicar animal saudável e tons de vermelho para animal anêmico”, detalha Iális.

A ideia é que o aplicativo funcione como uma ferramenta importante de apoio de diagnóstico para implementação do controle seletivo no rebanho, restringindo a vermifugação somente aos animais que realmente precisam (Foto: Arquivo pessoal)

Os resultados foram tão positivos que, sob o mesmo acordo de cooperação, já estão em desenvolvimento outras duas aplicações complementares ao StopVerme: uma para acompanhamento de seu uso a partir de dados geográficos e outra para auxílio ao produtor na parte de nutrição do animal.

É importante ressaltar que o StopVerme constitui uma solução de apoio ao diagnóstico e não dispensa o acompanhamento de veterinários ou zootecnistas. “O aplicativo atua em um momento importante para o produtor, quando ele vai realizar o controle seletivo em seu rebanho, escolhendo quais animais de fato devem ser vermifugados. Mas há outras decisões relevantes nesse controle, como estabelecer a classe correta de vermífugo para a situação do rebanho”, comenta Iális. 

O professor destaca ainda a importância de observar outros sintomas além da anemia, como falta de apetite, alterações na pelagem, perda de peso e comportamento de isolamento. No contexto coletivo do rebanho, predominância de altas cargas de parasitas gastrointestinais pode causar queda na capacidade reprodutiva, de crescimento, de ganho de peso ou de produção de leite.

Segundo a literatura, o controle seletivo é a estratégia mais eficiente para mitigar esses impactos e prejuízos, reduzindo custos com medicações e riscos de criar populações de vermes resistentes aos antiparasitários. Por isso, a recomendação é que a verificação da cor das mucosas seja feita a cada 15 dias no período de maior contaminação das pastagens (chuvoso ou com temperatura média elevada), ou mesmo a cada dez dias no caso de pastagens irrigadas.

Junto ao controle seletivo, o controle parasitário integrado e estratégico também inclui medidas como realização periódica de exame de fezes (com técnica de contagem de ovos de vermes por grama de amostra); manutenção de rotinas de higiene no galpões; rotação de pasto (alternando ocupação e descanso); cuidados com solo e com a vegetação do pasto; associação de espécies não hospedeiras do Haemonchus contortus no pasto (bovinos e equinos); alimentação adequada para o rebanho, que garanta o fortalecimento do sistema imunológico; e descarte de animais mais sensíveis aos parasitas.

Fonte: professor Iális Cavalcante, do Campus da UFC em Sobral – e-mail: ialis@sobral.ufc.br

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Adriana Martins 29 de outubro de 2025