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Saúde

Pesquisa identifica aumento das mortes em casa e ajuda a combater subnotificação de covid-19

O crescimento foi de 69%, de acordo com pesquisa realizada na UFC com base em dados do Serviço de Verificação de Óbitos Dr. Rocha Furtado A pesquisa estimulou o Ceará a adotar novas técnicas de autópsia e melhorar a qualidade da informação

No Ceará, houve um aumento de 69% no número de pessoas que morreram em casa em 2020, com base nos dados do Serviço de Verificação de Óbitos Dr. Rocha Furtado (SVO- RF), da Secretaria da Saúde do Estado. Foram 2.115 mortes em residência contra 1.235 do ano anterior. Desse total, 350 eram de casos suspeitos de covid-19, sendo que 280 acabaram sendo confirmados, segundo constatou o SVO.

Não fossem os exames realizados pelas equipes móveis do Serviço (a partir da autópsia verbal, exame externo do corpo e o teste swab no nariz e garganta), essas mortes seriam subnotificadas, dificultando a ação dos serviços públicos de saúde.

Os números fazem parte de um estudo feito pelos pesquisadores Luciano Pamplona e Fábio Rocha Fernandes Távora (ambos da Faculdade de Medicina da UFC); Pedro Mansueto Melo de Souza, Gunter Gerson, Josebson Silva Dias e Deborah Nunes de Melo (todos do próprio SVO-RF); e Sarlene Gomes de Souza e Erasmo Miessa Ruiz (da Universidade Estadual do Ceará).

O estudo chama-se “Validation of verbal autopsy and nasopharyngeal swab collection for the investigation of deaths at home during the COVID-19 pandemics in Brazil” (“Validação da autópsia verbal e coleta nasofaríngeo para investigação de óbitos domiciliares durante as pandemias COVID-19 no Brasil”, em tradução livre) e foi publicado em novembro na revista internacional Plos Neglected Tropical Deseases (em inglês). A revista possui Qualis A1, o que a coloca entre as mais importantes da categoria.

QUEM SÃO OS MORTOS

Na primeira fase da pandemia, no ano passado, o SVO suspendeu, por recomendação do Ministério da Saúde e do Conselho Federal de Medicina, as autópsias que realizava na sua sede para investigar as mortes de causa natural, não-violentas, ocorridas em casa. Em função disso, ampliou suas equipes móveis e passou a realizar “autópsias verbais”, entrevistas feitas com os familiares do falecido para tentar obter informações importantes que pudessem levar a descobrir a causa do óbito. Os técnicos também realizam exame externo do corpo e, em casos suspeitos de covid-19, colheita de swab nasal para diagnóstico laboratorial da doença.

Foi a partir desses procedimentos que os dados da pesquisa foram coletados. A verdadeira dimensão da covid, no entanto, tende a ser maior. “Certamente muitos outros casos podem ter sido subnotificados. Sem a realização de uma autópsia (completa ou minimamente invasiva) não é possível detectar todas as causas dos óbitos”, explica o Prof. Luciano Pamplona. “Por isso, a importância do SVO. Temos a possibilidade de óbitos por muitas causas, mas o SVO tem como foco principal identificar causas de óbitos que são capazes de levar outras pessoas a óbito se não detectadas precocemente”, destaca.

Mas quem foram esses mortos em casa? De acordo com os pesquisadores, não há uma característica específica. “Na maior parte delas, naquele momento inicial da pandemia, foram pessoas que evitaram buscar atendimento médico com receio de pegar covid-19 nas unidades de saúde. Tem ainda aquelas que não buscaram atendimento por falta de informação ou até mesmo por negligência”, completa o professor.

RESULTADOS PRÁTICOS

A pesquisa chega à conclusão de que o modelo adotado pelo SVO foi seguro (nenhum integrante da equipe do SVO chegou a contrair a doença em serviço), financeiramente viável e contribuiu para reduzir a subnotificação. Mas alerta que a simples autópsia verbal não permite responder dúvidas sobre algumas mortes que não se encaixam nos critérios de suspeita de covid-19. Dúvidas como: será se todas essas mortes são decorrentes da falta de acesso ao serviço de saúde? Ou algumas podem ter sido causadas por covid-19 com uma apresentação clínica atípica?

Médicos realizam autópsia minimamente invasiva (Imagem: Divulgação SVO)
Médicos realizam procedimento utilizando a técnica da autópsia minimamente invasiva, adotada no Ceará após a realização da pesquisa (Imagem: Divulgação SVO)

Diante disso, o trabalho sugere a adoção do que chama de autópsia minimamente invasiva (AMI), um procedimento feito com pequenas incisões na pele que permitem aos médicos terem acesso a órgãos e tecidos, com maior garantia de segurança. A pesquisa foi apresentada à Secretaria da Saúde do Estado e, a partir dela, o Estado começou a trabalhar com esse novo procedimento. Agora, no País, apenas São Paulo e Ceará realizam AMI.

“Através de agulhas que chegam aos órgãos-alvo, retirando pequenas amostras, sem precisar abrir o corpo, mas possibilitando estudar os efeitos do vírus Sars-Cov2 e entender melhor os mecanismos da doença, além de permitir estudos moleculares e genômico, para detecção de novas variantes”, explica a pesquisadora Deborah Nunes de Melo, que também é patologista e diretora do SVO. “Durante a pandemia pela Covid-19, a metodologia traz uma segurança muito maior para os profissionais porque não gera partículas aerossóis que são contaminantes, tanto para Covid-19 quanto para outras doenças”, continua.

O Prof. Luciano Pamplona chama a atenção para a nova fase da covid-19, que atinge o Estado neste começo de ano. “Estamos tendo óbito em pessoas menos idosas. Isso chama a atenção para novos fatores de risco que, provavelmente, desconhecemos. Com isso, a realização de autópsias se torna ainda mais necessária”, explica.

Fonte: Prof. Luciano Pamplona – E-mail: pamplona.luciano@gmail.com

Este texto faz parte de uma série sobre a produção científica da UFC relacionada à covid-19. Os textos vêm sendo publicados semanalmente na Agência UFC. Os resultados aqui apresentados não representam necessariamente a opinião da UFC sobre o assunto.

Agência UFC 23 de março de 2021

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