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Moléculas criadas em laboratórios podem bloquear coronavírus, avaliam pesquisadores da UFC

A proposta do estudo é verificar como moléculas sintéticas podem impedir interação do vírus com células humanas

Entender o mecanismo de infecção do SARS-CoV-2 (coronavírus) e a forma como ele interage com o organismo humano é ponto importante para reduzir infecções, sendo foco de estudos na Universidade Federal do Ceará. Em um deles, do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular, pesquisadores analisam como esses mecanismos operam diante de diferentes moléculas com potencial farmacológico.

As pesquisas renderam duas principais publicações: uma no International Journal of Biological Macromolecules, que avalia a eficácia de oito moléculas sintéticas (chamadas de peptídeos) para impedir a interação do vírus com o organismo humano; e a segunda no Journal of Biomolecular Structure and Dynamics, que estuda peptídeos criados a partir de nossa principal proteína de entrada para o vírus.

O primeiro estudo, publicado em julho de 2020, foi considerado inédito na época, por ter sido pioneiro na utilização de moléculas sintéticas no combate ao coronavírus. Criados em laboratório com base em proteínas encontradas em plantas como mamona, acácia-branca e erva-estrelada, esses peptídeos apresentaram grande potencial de bloqueio da ação do vírus.

Como já mostravam os testes in silico (simulação) realizados, o bloqueio ocorre por conta de alterações que os peptídeos induzem na estrutura da principal proteína do vírus, a spike (espinho, em inglês, por ser esse seu formato). É a spike que interage com a ACE2, proteína humana que se localiza na superfície da membrana das células e serve como porta de entrada para a infecção.

A pesquisa se baseia justamente na ideia de que, uma vez alterada a spike, o vírus fica impedido de se conectar de forma eficaz com a ACE2, impossibilitando sua entrada na célula. Como a ligação entre os dois mecanismos não ocorre, evitam-se a replicação do vírus no organismo e a infecção.

Ilustração mostrando a proteína spike do vírus se conectando à célula humana; abaixo, essa interação é bloqueada pela molécula usada no estudo
A interação da proteína spike do vírus (em verde e amarelo) é representada na primeira imagem. Na segunda imagem, a molécula sintética usada no estudo atrapalha essa interação (Imagem: Reprodução)

Os resultados foram ainda confirmados em testes in vitro (com as próprias moléculas em ambiente controlado de laboratório), a partir de cooperação com pesquisadores do Helmholtz Centre for Infection Research (Alemanha).

Das oito moléculas testadas nesse estudo até agora, todas apresentaram algum tipo de interação com o vírus, mas o destaque ficou para duas em específico, batizadas de Mo-CBP3-PepII e PepKAA, eficientes em proteger as células contra a infecção.

Os peptídeos, cujo uso contra o coronavírus já teve pedido de patente realizado, devem ainda ganhar estudos mais aprofundados, possivelmente servindo para o desenvolvimento de novos medicamentos. Além disso, com a parceria, outras moléculas entraram no radar da pesquisa.

“Agora estamos planejando testar a eficácia dos peptídeos em proteger outros tipos de células humanas. Isso nos permitirá avaliar a amplitude de eficiência deles”, projeta Pedro Filho Noronha de Souza, pesquisador do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFC.

ACE2

O segundo estudo surge como um desdobramento dos achados dessa primeira pesquisa. Partindo de um princípio similar, com o intuito de gerar interferência nos mecanismos de ação do vírus, os pesquisadores resolveram criar peptídeos agora a partir da própria ACE2, já que a proteína se configura como a principal abertura para o coronavírus em nosso corpo.

“Para entrar nas células, o SARS-CoV-2 utiliza o receptor ACE2 das nossas células. Então, naturalmente, existe uma atração do vírus por essa proteína. Por isso, estamos usando ela como fonte para produzir peptídeos que atuem contra o SARS-CoV-2”, explica Pedro.

Duas principais vantagens se apresentam nessa metodologia. A primeira diz respeito à alta afinidade das moléculas com o vírus, facilitando a ligação; a segunda é a baixa chance de toxicidade das moléculas para o organismo, já que são derivadas de proteínas humanas.

Ao todo, 600 peptídeos desenhados dessa forma tiveram suas interações com o vírus testadas, todas eles apresentando boa eficiência com a spike do vírus. Porém, quatro se destacaram nesse processo: o batizado de ACE2-dev-pepIV, com a maior afinidade, seguido dos intituladas ACE2-dev-pepII, ACE2-dev-pepIII e ACE2-dev-pepI.

SAIBA MAIS

Participam ainda das investigações o Prof. José Tadeu Oliveira, o Prof. Cleverson Freitas, os estudantes de doutorado Francisco Eilton Lopes, Jackson Amaral e Felipe Mesquita, além da Profª Raquel Montenegro, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da UFC.

Leia os artigos completos (em inglês) publicados no International Journal of Biological Macromolecules e no Journal of Biomolecular Structure and Dynamics.

Fonte: Pedro Filho Noronha de Souza, pesquisador do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFC – e-mail: pedrofilhobio@gmail.com

Este texto faz parte de uma série sobre a produção científica da UFC relacionada à covid-19. Os textos vêm sendo publicados semanalmente na Agência UFC. Os resultados aqui apresentados não representam necessariamente a opinião da UFC sobre o assunto.

Kevin Alencar 2 de março de 2021

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