No processo de verticalização das grandes cidades, um conceito emprestado dos estudos sobre relevos geológicos tem sido usado também nas megalópoles. Os cânions urbanos, que têm o nome baseado naquelas formações montanhosas de desfiladeiros causadas pelas atividades erosivas dos rios, designam locais onde há abundância de grandes edifícios, construídos próximos uns aos outros.
Uma pesquisa realizada por estudantes e professores do Curso de Ciências Ambientais, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará, trouxe o conceito para Fortaleza, até então vista como uma cidade que, apesar da crescente urbanização, ainda não possuía cânions.
O estudo mostrou que os desfiladeiros urbanos são uma realidade na capital cearense e influenciam diretamente a direção e velocidade dos ventos, além de alterar valores de temperatura do ar.
Em determinada área, a mudança na orientação dos ventos, que chegam naturalmente a Fortaleza na direção sudeste, chegou a ser de 160°, passando a se movimentar para oeste. Uma das consequências disso é que, como os ventos ficam “presos” entre os prédios, impedidos de correr naturalmente, criam-se corredores em que eles são mais fortes. Por esse motivo somos atingidos por um vento inesperado e mais potente que o comum quando viramos uma esquina.
“O cânion segura um pouco mais a temperatura baixa da manhã, como segura também o calor da tarde por mais tempo dentro da noite”
A definição dos cânions é feita a partir da razão entre a largura da rua e a altura dos edifícios, ou seja, quanto mais estreita for a rua e quanto mais altos forem os prédios, maior será a profundidade do desfiladeiro. Com isso, a pesquisa aferiu dados sobre três pontos específicos da cidade, a partir de três divisões: avenida de cânions (razão menor que 0,5), cânions regulares (razão igual ou aproximada a 1) e cânions profundos (razão maior que 2).
Os pontos avaliados estão situados no bairro Meireles, região próxima à praia, com alta concentração de prédios. A avenida de cânions foi localizada em um trecho da Av. Senador Virgílio Távora; o cânion regular, na Rua Silva Jatahy; e o profundo, na Rua Coronel Linhares.
Na primeira definição, a grande largura das ruas garante um cânion menos profundo, mas foi justamente nesse ponto que o vento teve o maior fator de mudança de direção. Uma das explicações para isso pode ser a posição dos prédios em relação à direção natural da corrente de ar, que também pode influenciar o modo como essa corrente se comporta.
Já no quesito temperatura, o cânion profundo, de razão mais alta, foi o que se saiu melhor, por conta das sombras geradas pelos próprios edifícios, que impedem o sol de incidir diretamente sobre o asfalto. Em regiões onde não há prédios, também avaliadas pelos pesquisadores para controle da pesquisa, não há essa proteção e o ar torna-se mais quente.
O Prof. Marcus Vinícius, um dos responsáveis pelo estudo, explica que os cânions também podem funcionar como uma espécie de estufa, por causa dessa característica de “prender” o ar. “Ele segura um pouco mais a temperatura baixa da manhã, como segura também o calor da tarde por mais tempo dentro da noite”, explica o pesquisador. Há cânions, por exemplo, em que a temperatura da manhã chega a ser três graus mais baixa ou a do fim da tarde, três graus mais alta do que em outros pontos da cidade.
POLUENTES
Além de avaliar a temperatura, potencialmente influenciada pelo tipo de material usado na construção dos prédios e do asfalto, que pode conservar mais calor, os pesquisadores também estudam como os cânions podem impactar a dispersão ou retenção dos poluentes urbanos. Assim como acontece com os ventos, as toxinas ficam “presas” nos desfiladeiros, podendo gerar mais problemas de saúde para os pedestres.
“Dentro dos cânions, as árvores podem não ser uma boa opção. Elas podem aprisionar os poluentes sob as copas, piorando o ar para os pedestres”
Uma pesquisa detalhada sobre o assunto ainda vai ser realizada pelo grupo. É um estudo difícil devido à necessidade de avaliação em microescala e às características topográficas do ambiente, irregular pela configuração dos edifícios. Mesmo a presença de vegetação é um fator que influencia o processo de retenção dos poluentes.
A Profª Camille Arrais, integrante da pesquisa, explica que, apesar de realmente terem a capacidade de amenizar a poluição atmosférica, a depender da geometria do cânion, as árvores podem ter um efeito negativo quando postas em desfiladeiros urbanos. “Dentro dos cânions, elas podem não ser uma boa opção, porque dificultam a dispersão, que já está alterada. Elas podem aprisionar os poluentes sob as copas, piorando o ar para os pedestres”, justifica.
Com os dados do estudo, os pesquisadores esperam conscientizar a gestão pública da presença dos cânions urbanos em Fortaleza. Como soluções para os problemas constatados, os cientistas defendem o respeito às normas de altura máxima dos edifícios e sua construção sobre pilares (como aqueles embaixo dos prédios onde há espaço para estacionamento) que proporcionem melhor circulação do vento.
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Fonte: Prof. Camille Arrais – fone: 3366 7020 / e-mail: camilleufc@gmail.com