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Saúde

Como o uso de drogas na gravidez afeta comportamento e postura de recém-nascidos

Pesquisa com 43 bebês filhos de dependentes químicas mostra que grande parte dos recém-nascidos apresenta postura patológica, irritabilidade extrema e dificuldade de dormir

O efeito causado pelas drogas na conduta de um adulto é geralmente visível. Mas pouco se sabe acerca do impacto que o uso de substâncias ilícitas durante a gestação causa no padrão neurocomportamental dos bebês. É o que uma pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará se deteve em descrever. “Eu via que eles adotavam um comportamento diferente, porque a postura do bebê, a fetal, é mais acolhedora. Já esses outros apresentavam uma posição de afastamento, estavam sempre mais rígidos”, detalha Sandra Barbosa, fisioterapeuta que defendeu recentemente dissertação no Mestrado em Saúde Pública sobre o tema, com orientação do Prof. Herlânio Costa.

Confira a matéria também em áudio, produzida em parceria com a Rádio Universitária FM:

O resultado foi que 53% dos bebês avaliados apresentaram uma postura patológica, chamada também de neurológica. “Eles têm uma postura rígida em extensão, com dedos abduzidos, ou seja, esticados. As pernas também ficam rígidas, e a cabeça, hiperestendida”, explica Sandra, lembrando que o bebê em conduta normal exibe mãos fechadas, próximas à boca, braços dobrados junto ao corpo, assim como a cabeça, a chamada posição fetal. O restante dos recém-nascidos demonstrou irritabilidade extrema e, durante esses momentos, manifestava a postura patológica.

Além disso, os bebês se movimentavam de forma muito brusca e acelerada, como se estivessem agitados e assustados o tempo todo, e sem coordenação. “Existe um reflexo natural da criança, chamado Reflexo de Moro, que ela apresenta quando tem a sensação de que vai cair. É aquele movimento de abrir os braços e balançar as mãozinhas. Nesses bebês, essa movimentação era bem desorganizada, disforme, não era aquela coisa direitinha, quando um membro vai e o outro vem”, descreve.

Bebê deitado, com tarja preta nos olhos, braços e pernas rígidas (Foto: Arquivo pessoal)
A postura de 53% dos bebês avaliados na pesquisa apresentou rigidez em extensão, com dedos e pernas esticados e a cabeça hiperestendida (Foto: Arquivo pessoal da pesquisadora)

A avaliação incluiu fatores do comportamento e também do desenvolvimento neuromotor. Na primeira parte, aspectos como irritabilidade, sono, alimentação, além da capacidade de o bebê ser consolado, de sugar, de olhar fixamente e de reagir à voz humana e aos estímulos, foram observados. Os bebês filhos de mães dependentes químicas desenvolveram a chamada síndrome de abstinência, que pode iniciar cerca de quatro dias após o nascimento, durando em torno de 17 dias. “É uma sensação, relatada pelos adultos, de medo, tremor, calafrio, e os bebês, embora não falem, apresentavam características dessa síndrome, como suor frio, irritabilidade muito grande, dificuldade de dormir, de sugar o peito e de serem consolados”.

Em relação à parte neuromotora, verificaram-se o tônus da musculatura, a postura, a movimentação de braços e pernas e a rigidez cervical. Segundo Sandra, o método ainda conseguiu prever se as complicações neurocomportamentais das crianças iriam evoluir, com 80% de acertos. Isso porque foram feitas três avaliações com os recém-nascidos: uma após três dias do nascimento, e as outras, nas duas semanas seguintes.

Um dado interessante é que o consumo de drogas pelas gestantes foi caindo à medida que a gestação evoluía. Se no primeiro trimestre todos os bebês foram expostos às substâncias psicoativas, no segundo essa porcentagem reduziu para 88,6%, e para 68,4%, no terceiro. “Elas [gestantes] naturalmente – acredito eu pelo instinto materno – têm essa tendência a querer diminuir a droga e, quando procuravam a maternidade, tinham ajuda com a internação, por exemplo”, explica a fisioterapeuta.

Seis bonecos de palitinhos simulando a movimentação da cabeça do bebê, com três bonecos acima e três bonecos abaixo (Fonte: Dubowitz)
Os pesquisadores utilizaram ilustrações do controle da cabeça do bebê para facilitar a comparação com o recém-nascido examinado (Fonte: Dubowitz, 1980)

Outra conclusão importante do estudo foi a de que o crack é a droga mais usada, embora, em geral, seu consumo esteja associado a outras substâncias psicoativas, caracterizando a polidrogadição dessas grávidas. O perfil socioeconômico das gestantes foi se transformando ao longo do período estudado, preocupando a pesquisadora, que alerta para o fato de a dependência química do crack estar se espalhando para outros grupos. “Não é mais um problema exclusivo das mulheres pobres, das favelas, moradoras de rua, envolvidas com prostituição. Há exemplos de empreendedoras e donas do lar, casadas, que a gente não tem nem como dizer que faziam uso de droga”.

Para a fisioterapeuta, as mulheres deveriam ser tratadas de forma diferenciada em relação à dependência química, já que costumam vincular, com mais frequência, as substâncias psicoativas à dependência emocional. Além disso, do ponto de vista biológico, a mulher é mais vulnerável à droga pela associação com os hormônios femininos. De acordo com a pesquisadora, o desafio agora seria trabalhar na prevenção, combatendo as substâncias no foco através de abordagem nas ruas.

PADRÃO DE RECONHECIMENTO

Conforme o professor Herlânio Costa, a imensa maioria das drogas atravessa a placenta afetando o Sistema Nervoso Central do bebê, podendo atingir a formação fetal. Mas, um padrão de reconhecimento ainda não estava descrito. Sandra Barbosa, que é fisioterapeuta com experiência em Neonatologia, passou a se interessar pelos recém-nascidos nessas condições quando trabalhou na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand, do Complexo Hospitalar da UFC/EBSERH, de 2010 a 2016. Em 2012, iniciou a pesquisa com a qual acabou ajudando a implantar a Rede de Cuidados às Gestantes, Puérperas e Recém-nascidos em Uso de Tabaco, Álcool e Outras Drogas Dependentes Químicas (REMDA). Além dela, a psiquiatra Ionesia do Amaral e a assistente social Rita de Cássia participaram do início do grupo, com a ideia de dar apoio total às mães e aos bebês.

A pesquisadora Sandra Barbosa num corredor com os braços cruzados (Foto: Ribamar Neto)
Sandra Barbosa, autora da pesquisa, foi uma das fundadoras do grupo REMDA da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (Foto: Ribamar Neto)

De 2012 a 2016, o projeto atendeu 150 mulheres grávidas com relato de uso problemático de drogas. Foram avaliadas 79 puérperas e seus recém-nascidos, mas somente 43 bebês, de 36 a 40 semanas de idade gestacional, foram incluídos na pesquisa, porque os prematuros saíram, embora também tenham sido avaliados. Segundo Herlânio Costa, essa decisão se deu porque muitas vezes os transtornos neurocomportamentais podem se confundir com o efeito da própria prematuridade. “A gente queria diferenciar o que era alteração da prematuridade do que poderia ser alteração neurológica provocada pela drogadição”, esclarece o professor. De acordo com Sandra Barbosa, a ideia de trabalhar somente com os chamados bebês a termo era obter fidedignidade na comparação.

SAIBA MAIS

O Brasil apareceu como o segundo maior consumidor de cocaína, crack e outros derivados (2,8 milhões de pessoas), atrás apenas dos Estados Unidos (4,1 milhões de usuários), no Levantamento Nacional de Álcool e outras Drogas (LENAD) de 2012. O País representava 20% do consumo mundial e era o maior mercado de crack do mundo. Segundo a pesquisa, quase 6 milhões de brasileiros (4% da população adulta) já experimentaram algum derivado de cocaína na vida.

A Rede de Cuidados a Gestantes e Puérperas em Uso de Tabaco, Álcool e Outras Drogas Dependentes Químicas (REMDA) da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand, além de tratar as gestantes ou puérperas e seus filhos, dá suporte à família, através de especialidades como terapia ocupacional, serviço social, enfermagem e o próprio serviço médico. A equipe busca realizar encaminhamentos, no caso do abandono dos recém-nascidos, e tratar possíveis sequelas. Oferece cuidado à mãe internada, conforme suas necessidades, encaminhando-a para tratamento nos equipamentos disponíveis.

Fontes: Sandra Barbosa, fisioterapeuta e mestre em Saúde Pública pela UFC – e-mail: sandramary.sb@hotmail.com; Herlânio Costa, professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Departamento de Saúde Comunitária da UFC – e-mail: herlaniocosta@ufc.br

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Síria Mapurunga 18 de junho de 2019

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